- Folha de S. Paulo
Se ele já teve a doença, não é mais transmissor ativo do vírus
Não penso que Jair Bolsonaro deva ser obrigado pela Justiça a mostrar os resultados de seus testes para a Covid-19. Não tenho aqui a intenção de defender o presidente. Já cheguei à fase em que aplaudo tudo de ruim que acontece a ele. O que merece defesa, creio, é o instituto do sigilo médico, que só pode ser suspenso excepcionalmente e por motivos muito precisos, que não incluem a curiosidade do público.
O sigilo médico visa a proteger a vida e a saúde. Ele existe, entre outras razões, para assegurar que ninguém tenha receio de procurar socorro, mesmo que o ferimento ou a doença que o acometem tenha resultado de um crime. Um bom exemplo é o do usuário de drogas ilícitas. Se a polícia tivesse acesso direto aos prontuários médicos, um pedaço não desprezível da população pensaria duas vezes antes de procurar um hospital —o que seria desastroso em termos sanitários.
Quando, então, é certo suspender o sigilo? De um modo geral, penso que o profissional deve estar autorizado a levantar o segredo apenas para prevenir (não para investigar) certos crimes ou danos à saúde de terceiros. Se um psiquiatra tem razões para acreditar que um paciente seu que disse que planeja matar o vizinho está falando sério, aí sim ele deve comunicar o fato às autoridades. De modo análogo, o médico pode alertar a mulher de um paciente de sífilis que se recuse a seguir o tratamento.
É disso que estamos falando, de prevenir infecções, dirá o leitor farto de Bolsonaro. Receio que não. Esse teria sido o caso se a discussão judicial tivesse ocorrido contemporaneamente ao exame. Agora, com bem mais de 14 dias da data do último teste, se ele já teve a doença, não é mais transmissor ativo do vírus. A divulgação do resultado não previne mais nada. Sua justificativa é descobrir se Bolsonaro mentiu ou não.
O fato de a sociedade já não acreditar na palavra do presidente da República dá bem a dimensão do buraco em que caímos.
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