Para especialistas, discursos com ameaças implícitas servem para acenar à base mais radical de seus apoiadores
Gustavo Schmitt | O Globo
SÃO PAULO — Ao dizer ontem que “está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”, o presidente Jair Bolsonaro recorreu novamente a um discurso que dá margem à leitura de ameaças implícitas às instituições democráticas. Na avaliação de cientistas políticos, ele acena mais uma vez à base de apoiadores radicais e testa limites. Irritado, Bolsonaro se referiu ao que considera como “abusos” na ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) de quebrar o sigilo bancário de dez deputados e um senador aliados.
Para especialistas, a estratégia do presidente e de alguns de seus ministros de apostar no confronto atende um projeto autoritário, segundo eles construído por meio de tentativa e erros, e que em alguns casos os fazem recuar.
Analistas políticos avaliam que, nos últimos meses, houve uma escalada dessas declarações que podem ser interpretadas como contrárias à democracia, ainda que, por enquanto, não tenham ultrapassado a esfera retórica.
Em referência indireta ao STF, Bolsonaro afirmou ontem, a apoiadores, que não quer medir forças, mas citou a possibilidade de uma “emboscada”, sem deixar claro a que tipo de ação se referia.
— É igual uma emboscada. Você tem que esperar o cara se aproximar. Vem mais, vem jogando ovo, pedra… Falei hoje de manhã: não quero medir força com ninguém. Continua vindo.
As declarações de Bolsonaro foram repudiadas pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz:
—Ele, como todos os brasileiros, deve obediência às decisões do Poder Judiciário. Já passou da hora de cessarem as declarações dúbias que geram um clima de instabilidade institucional.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio da Nóbrega, foi na mesma linha:
—Democracia pressupõe o respeito ao livre funcionamento dos demais Poderes.
Histórico
Na última sexta-feira, foi a vez do ministro chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Em entrevista à “Veja”, Ramos, que é general quatro estrelas ainda na ativa, afirmou que Bolsonaro nunca defendeu um golpe militar no país, mas alertou a oposição a “não esticar a corda”.
Em 22 de maio, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, afirmou que uma eventual apreensão do celular do presidente teria “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. Essa medida foi pedida por partidos políticos ao ministro Celso de Mello, do STF, mas acabou arquivada.
Em 3 de maio, Bolsonaro já havia dito algo num tom semelhante ao de ontem. Na ocasião, o presidente afirmou que havia chegado “ao limite”, que faria “cumprir a Constituição”, num sinal de que não aceitaria o que considerava como interferências de outros Poderes no Executivo.
Para o cientista político Eduardo Grin, da FGV, as declarações de ameaça à democracia servem a um projeto autoritário do presidente de testar os limites das instituições, provocar desgaste no ambiente democrático e animar sua base de apoiadores radicais.
— A gente consegue perceber o que seria uma proposta autoritária em alguns casos, como quando o governo decide sonegar informações sobre o coronavírus. Ou, no caso da MP (Medida Provisória) que permitia o ministro da Educação nomear reitores, o que fere a autonomia universitária (que acabou sendo revogada). São ações que podem não prosperar, mas que ficam como balões de ensaio. E são traços reveladores de um projeto autoritário, ainda que este não pareça uma coisa pronta e acabada como o foi na época da ditadura — afirma Grin.
Já para o cientista político David Fleischer, professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), os arroubos antidemocráticos do presidentesão mais reveladores de uma incapacidade de governar do que propriamente uma ameaça real ao sistema de governo atual.
— Eu credito essas declarações à indecisão e incapacidade de se articular com o Congresso. Ele não sabe exatamente o que está fazendo. Esse morde e assopra é um estilo de governar. O presidente pode até tentar atrair as Forças Armadas com esse discurso, mas elas são muito divididas. Os generais da ativa são muito sensatos e avessos a qualquer aventura golpista.
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