- O Estado de S. Paulo
Até por gestos e pensamentos, presidentes da República devem prezar a Constituição a que juraram defender. Não podem fazer a interpretação que lhes convém. De acordo com a lei, o guardião da Constituição é o Supremo Tribunal Federal. O título “supremo” não é mera figura de linguagem. É o STF quem arbitra o jogo das leis. Para mudar isso, só por meio de uma Constituinte – talvez.
Assim, o ministro do STF Alexandre de Moraes tem autorizado sindicâncias que atingem aliados do presidente, não por serem aliados, mas por suspeitas e indícios de estarem envolvidos com atos ilegais; não se lhes questiona a liberdade de expressão nem o direito de exercê-la, mas ações concretas que poderiam ir de encontro à lei. Moraes é experiente, tendo passado por várias esferas de poder, nesse campo. Sabe qual ferida tocar e, pelo jeito, tem causado muita dor e receio ao bolsonarismo.
Noutros governos, parlamentares, empresários e operadores políticos passaram por processos semelhantes; foram presos justamente por terem agido fora da lei. O que contou com o entusiasmo do então deputado e de seus aliados, que ora se encontram sob o mesmo rigor, o rigor da lei. Mas, agora, tudo parece causar desconforto e até desalento ao presidente, temeroso de ver ruírem as redes de enfrentamentos às instituições e a imprensa paralela criadas em seu favor e em sua proteção. Além disso, os processos podem chegar ao Tribunal Superior Eleitoral e colocar em risco o próprio mandato.
O que Bolsonaro poderia contra isso? Esperar que os envolvidos, não ele, recorram contra o que considerarem ilegal, nos termos da lei. Politicamente, acionar o Legislativo para alterar a legislação, uma vez que tenha maioria para fazê-lo – o que não tem. Recorrer à “força bruta”, dentro da lei, não pode. E, se não pode, melhor não insinuar. Presidentes da República podem muito, mas não tudo. Milhões de votos não lhes dão a voz do “povo”, apenas responsabilidade perante a lei. São eleitos, não ungidos.
*Carlos Melo, cientista político, professor do Insper
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