- Folha de S. Paulo
A renda mínima é a base firme do sistema de proteção social
No programa Roda Viva da última segunda-feira (15), o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, observou que a Covid-19 pôs sob uma lente de aumento a espantosa pobreza do Brasil e confrontou os brasileiros com a obrigação moral e os problemas práticos de enfrentá-la.
Nessa empreitada, empenham-se algumas das melhores cabeças de economistas e sociólogos, que puseram em discussão o imperativo de um programa permanente de garantia de renda mínima para além do bem-sucedido Bolsa Família. O objetivo é incluir um segmento ainda maior dos brasileiros pobres e de precária inserção no mercado de trabalho.
Há muitas ideias sobre a mesa. Elas diferem na abrangência, na forma de operação e na relação com os programas assistenciais existentes —especialmente os maiores: o próprio Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada.
Em comum, preocupam-se com a sustentação financeira do futuro programa e com o entrosamento entre responsabilidade social e fiscal. Por esse motivo, os autores das diferentes propostas as associam necessariamente a medidas de reforma tributária.
Não resta dúvida de que, em um país com pobreza e miséria tão extensas, a garantia de renda mínima é a base firme e fundamental de qualquer sistema de proteção social que se pretenda decente. Mas ele tem, universalmente, outros componentes, como a atenção à saúde e à educação básica, que neste momento requerem reforço, além das aposentadorias e do seguro-desemprego.
A amarga experiência da pandemia revelou a força e as limitações de nosso Sistema Único de Saúde, desigual na sua cobertura estado a estado, precário no atendimento hospitalar de emergência e de maior complexidade, limitado em recursos humanos e vergonhosamente subfinanciado ao longo do tempo. A calamidade provocada pelo novo coronavírus não teria sido tamanha no Amazonas se o SUS de lá não fosse tão frágil.
Da mesma forma, será muito difícil para milhões de brasileiros escapar da pobreza se a educação pública não os tiver habilitado para ocupações de mais alta qualidade e remuneração.
A epidemia que expõe nossas mazelas sociais e os limites das políticas tradicionais de inclusão cria também a oportunidade de se avaliar em conjunto nosso sistema de proteção social. O desafio é fazê-lo com financiamento em bases sólidas. Como vem insistindo a pesquisadora Marta Arretche, da USP, no passado o país fez política social de inclusão mantendo um sistema regressivo de tributos. Hoje, não haverá avanço social possível se, ao mesmo tempo, não forem criadas formas mais progressivas de taxação.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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