- Folha de S. Paulo
Presidente usa militares e esbraveja enquanto Judiciário mantém sua tríade nuclear
A eloquente resposta institucional do Supremo Tribunal Federal às recentes ameaças vindas do Palácio do Planalto evidencia a falta de instrumentos à mão de Jair Bolsonaro.
A decisão pela continuidade do inquérito das fake news já era esperada, mas houve uma degeneração no ambiente político entre os Poderes desde que a questão começou a ser discutida.
Uma nova cadeia de acontecimentos, iniciada na sexta (12), reforçou o peso impresso pelos ministros e ministras em seus votos.
Naquela noite, Bolsonaro divulgou uma nota coassinada pelo vice Hamilton Mourão e pelo ministro Fernando Azevedo (Defesa) na qual disse que os militares não aceitariam ordens absurdas ou julgamentos políticos.
Era uma resposta à decisão provisória na qual o ministro Luiz Fux, próximo presidente do Supremo, negava a ideia de que as Forças Armadas teriam algum papel moderador —argumento torto do bolsonarismo quando quer invocar o fantasma de uma intervenção armada.
Na noite seguinte, foi a vez de fogos de artifício serem jogados sobre o STF em protesto, com uma inação da Polícia Militar punida com a destituição de seu chefe interino. Domingo, o ministro Abraham Weintraub (Educação) em ato pedindo o fechamento da corte e do Congresso.
Na segunda, na mão contrária, foi deflagrada a primeira parte da ofensiva do outro inquérito que preocupa o bolsonarismo, o dos atos antidemocráticos.
Ali foram presos os radicais do grupo 300 do Brasil. No dia seguinte, um golpe no coração do bolsonarismo militante: buscas e quebras de sigilo atingindo 11 parlamentares e organizadores da causa.
O ato contrariou ainda mais Bolsonaro por ter sido determinado por Augusto Aras, o procurador-geral e candidato a ministro do Supremo tão próximo do Planalto.
É certo que este inquérito não cita Bolsonaro, mas seus protagonistas e atos se confundem com aqueles da apuração das fake news.
Dali para uma acusação de financiamento ilegal de campanha é um pulo, e o Tribunal Superior Eleitoral que já analisa o caso é a próxima parada.
Espremido pelas acusações de desgoverno na pandemia e à espera de seus efeitos econômicos, além da crise política, sobrou a Bolsonaro, esbravejar nesta quarta (17). Falou grosso e ameaçou usar na batalha recursos legais, dos quais já dispõe e cujo uso é lícito, como ações da Advocacia-Geral da União.
Não falou em Forças Armadas ainda, muito devido à má repercussão que a nota de sexta gerou na cúpula militar da ativa.
Se sobram oficiais-generais que condenam o ativismo do Supremo, faltam os que aceitam ideias golpistas ensaiadas pelo presidente.
Observadores são mais cautelosos ao avaliar o oficialato médio, mas a falta de coesão militar atual não sugeriu até aqui ruptura de hierarquia. Resta saber o real potencial revoltoso entre as PMs: a inação de sábado fez soar alarmes.
Isso não torna os togados donos de uma razão universal, por óbvio. A transformação da corte no proverbial Posto Ipiranga da política nacional distorceu suas atribuições há anos.
Ora o STF se ocupa de legislar, ocupando o vazio do Congresso, ora transparece inconstância pelos humores políticos –caso do vaivém acerca da prisão para condenados em segunda instância.
Mesmo o inquérito das fake news é eivado de um voluntarismo de saída bastante inusual, dispensando a Procuradoria e tomando decisões no mínimo polêmicas. Mas para isso há o pleno do Supremo a corrigir distorções se algo vier a ser julgado.
Ministros da corte, contudo, sempre que podem defendem a imposição do momento histórico.
Alegam que a inação do Legislativo, cujos segmentos intestinos do centrão estão sendo cooptados por Bolsonaro, acaba por forçar os togados a uma posição mais combativa.
Isso não seria o desejável, nem o ideal, segundo eles. Mas é fato que o protagonismo do Supremo até retirou da catatonia recente Rodrigo Maia (DEM-RJ), que havia submergido após perder controle sobre o centrão.
Sobre o grupo de partidos que vem ocupando espaços, é o melhor dos mundos para eles: o embate é problema alheio.
Se Bolsonaro se enrolar de vez e perder o cargo, já estarão aninhados para a transição ao próximo hospedeiro.
Ao lado do presidente só estão os militares do governo, cada vez mais expostos, e seu entorno ideológico, crescentemente radicalizado.
A discussão sobre a demissão de Abraham Weintraub, o ministro da Educação que chamou os ministros do Supremo de vagabundos que mereciam ser presos, e agora enfrenta risco ele de ir à cadeia, é exemplar.
Ela havia sido especulada para apaziguar ânimos, mas foi esquecida, só para ser retomada após o fim de semana agitado.
Agora, está sendo postergada por pressão dos filhos presidenciais. Se efetivada, ainda mais para algum cargo remunerado em dólar no exterior, terá efeito nulo no clima.
No jargão militar, tríade nuclear é o nome dado às formas como podem ser empregadas armas atômicas, por terra, mar e ar.
A manutenção da tríade fake news-atos-TSE deixa o Judiciário como a fronteira onde o risco existencial para Bolsonaro é mais alto.
De seu lado, o presidente brinca com a bomba atômica de uma intervenção militar que, aos olhos do mundo político, parece cada vez mais uma quimera.
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