Presidente mantém discurso dúbio após ações contra aliados e oscila entre a fúria e sinais de paz na direção do Supremo
Vera Rosa, Julia Lindner e Jussara Soares | O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro adotou nesta quarta-feira, 17, um discurso dúbio sobre a reação do governo às decisões do Supremo Tribunal Federal que têm atingido seus aliados. Na posse do ministro das Comunicações, Fábio Faria, Bolsonaro citou o “povo” como escudo, na tentativa de blindar o governo, mas à noite subiu o tom e comparou o que vem pela frente a uma “emboscada”. Menos de 24 horas após ter dito que não poderia assistir calado a “abusos”, o presidente oscilou entre a fúria e sinais de paz na direção do STF.
“É igual a uma emboscada. Tem que esperar o cara se aproximar, vem mais. Vem jogando ovo, pedra. Chega mais, chega mais (...) Não quero medir forças com ninguém, (mas) continua vindo”, afirmou Bolsonaro ao falar com apoiadores, no Alvorada, pouco antes de participar ali mesmo do ato de arriamento da bandeira ao lado do comandante do Exército, Edson Pujol.
No dia do julgamento da validade do inquérito das fake news e depois de o ministro do Supremo Alexandre de Moraes autorizar a quebra de sigilo bancário de 11 parlamentares bolsonaristas, o presidente mandou recados à Corte.
“Não são as instituições que dizem o que o povo deve fazer. É o povo que diz o que as instituições devem fazer”, afirmou Bolsonaro, sob aplausos, em cerimônia no Planalto. Sentado a poucos metros dele, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, não aplaudiu de início, mas acabou se rendendo.
“Temos de fazer valer os valores da democracia para que consigamos atingir o nosso objetivo. Nosso povo espera liberdade. Temos uma Constituição. Em que pese alguns de nós não concordarem com alguns artigos, temos o compromisso de honrá-la e respeitá-la para o bem comum”, disse Bolsonaro.
Na mesma linha, o novo ministro das Comunicações disse que é preciso focar no combate ao coronavírus. “É hora de pacificar o País”, disse Faria, que foi eleito deputado pelo PSD do Rio Grande do Norte e é genro do apresentador Sílvio Santos.
A cerimônia contou com integrantes do Centrão, como os presidentes do PSD, Gilberto Kassab; do Republicanos, deputado Marcos Pereira, e do Progressistas, senador Ciro Nogueira. O Ministério das Comunicações foi desmembrado da pasta de Ciência e Tecnologia, que continuará sob o comando de Marcos Pontes. Responsável pela publicidade do governo, a Secretaria Especial de Comunicação passou para o guarda-chuva da pasta dirigida por Faria.
Pouco antes da solenidade, Bolsonaro se reuniu com um grupo de militantes, nos jardins do Alvorada. Ali, seu discurso era mais aguerrido. “Eu não vou ser o primeiro a chutar o pau da barraca. (Mas) eles estão abusando. Isso está a olhos vistos. O ocorrido no dia de ontem (anteontem), quebrando sigilo de parlamentares, não tem em história nenhuma vista em uma democracia, por mais frágil que ela seja”, disse o presidente, embora essa prática já tenha sido adotada várias vezes. “Então, está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar.”
Mesmo sem citar o STF, Bolsonaro não deixou dúvidas sobre o destinatário de suas mensagens, tratando os magistrados por “eles”. Não é de hoje que o presidente se queixa de que decisões da Corte e do Congresso invadem atribuições do Executivo e parecem feitas sob medida para derrubá-lo.
No último dia 27, por exemplo, um dia depois de o Supremo fechar o cerco contra o “gabinete do ódio”, Bolsonaro fez ameaças e disse que “ordens absurdas não se cumprem”, agravando a crise institucional.
Após a deflagração da operação de terça-feira no inquérito que investiga o financiamento de atos antidemocráticos organizados por seus aliados, no entanto, Bolsonaro ficou em silêncio por algumas horas. Pressionado nas redes, porém, falou em “abuso”. “Só pode haver democracia onde o povo é respeitado, onde os governados escolhem quem irá governá-los e onde as liberdades fundamentais são protegidas.”
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