- O Globo
Bolsonaro atrapalha de todos os lados. Sabota o isolamento social e, pois, o controle das taxas de contágio
Se a gente somar Estados Unidos, União Europeia e China, isso dá cerca de 60% do PIB mundial. Portanto, se a economia sai do buraco e começa a melhorar nesses três lugares, o mundo todo pega carona. Esses três, por exemplo, são os principais parceiros comerciais do Brasil.
A China já deu a crise de saúde por controlada. Entrou antes, saiu antes. Teve uma perda de 6,8% no PIB do primeiro trimestre e luta para salvar alguma coisa neste segundo. Nos Estados Unidos, a queda trimestral foi de 5% e na União Europeia, de 3,8%. No Brasil, caiu apenas 1,5%, sempre na comparação com o trimestre anterior, feitos os ajustes. O vírus chegou aqui depois, e a economia sofreu efeitos disso somente numa parte de março. Ou seja, o baque maior é agora, como indica a queda brutal da produção industrial em abril.
Mas nos Estados Unidos, União Europeia e China, a conversa já é de recuperação, considerando-se que as taxas de contágio estão contidas. A UE, por exemplo, sob liderança de Alemanha e França, anunciou um programa de 750 bilhões de euros para apoiar os países mais pobres da área. A China tem programas de tamanho parecido.
E os Estados Unidos? A crise de saúde ainda está lá — em estágio mais grave do que nas outras potências — e a ela se somam os protestos que já alcançaram mais de 350 cidades.
Mas como nas outras regiões, estão em andamento programas enormes de ajuda a empresas e pessoas, de modo que os mercados já antecipam a recuperação esperada para o segundo semestre. O enfraquecimento global do dólar indica que investidores estão perdendo o medo. Sabem como é: ao menor sinal de perigo, se dá a corrida para a segurança e qualidade, ou seja, ativos em dólar. A moeda americana se fortalece, as demais se desvalorizam.
Passado o medo, o jogo se inverte. O real, que se aproximava dos R$ 6/dólar, voltou para perto dos cinco. Ainda é alto, mas faz sentido: a taxa de juros está muito baixa e vai cair ainda mais. A Bolsa brasileira segue as internacionais, entre outras coisas porque ficou duplamente barata. O preço das ações caiu muito em reais e mais ainda em dólar.
Tudo considerado, daqui em diante é provável que a economia global, liderada pelos três grandes, seja um fator de ajuda. O que nos traz de volta a nós mesmos — à nossa capacidade de lidar com a crise de saúde, com seus efeitos na economia e com o processo de recuperação.
E aqui mora o problema. O presidente Bolsonaro atrapalha de todos os lados. Sabota o isolamento social e, pois, o controle das taxas de contágio. Os programas econômicos de ajuda às empresas estão atrasados. Os 600 reais foram para muitas pessoas que não precisavam e não chegaram a muitos necessitados.
Claro que tem aí um problema moral, das pessoas que fraudaram os dados para receber a renda. Mas é certo também que houve e há incompetência no desenho e operação dos programas.
Para completar, o presidente estimula manifestações que pedem intervenção militar e ele mesmo acredita ter o poder de recorrer às Forças Armadas para defender seu governo mesmo quando este sai fora da lei.
Em vez de um país concentrado no combate ao vírus e pensando na retomada, o tema político dominante acaba sendo o papel dos militares. E um t ema que já foi resolvido na Constituição de 88: as Forças Armadas não constituem um poder, muito menos um poder moderador. Não têm a autoridade legal para decidir intervir neste ou naquele poder, fechando o Congresso, o STF ou prendendo o presidente. Toda a autoridade está depositada nessa combinação de Executivo, Legislativo e Judiciário. E quem manda por último é o Supremo.
Muitos dizem que é incrível que se tenha voltado a esses temas. Mas o caráter autoritário do presidente e de seu entorno mais próximo sempre esteve presente. Confundiu um tanto quando se juntaram no governo nomes como Paulo Guedes e Sergio Moro e, depois, Luiz Henrique Mandetta, respeitados e certamente democratas. O trabalho de Rodrigo Maia, avançando com a pauta reformista, também contribuía para dar bons sinais.
Contribuía.
E assim estamos na terceira recessão dos anos 2000.
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