Equívocos do governo na Saúde dificultam combate à doença que já matou mais de 30 mil pessoas
‘Eu lamento todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”, disse o presidente Jair Bolsonaro, na manhã de terça-feira, ao responder a uma apoiadora que pedira uma palavra para as famílias que perderam parentes em consequência da Covid-19. Naquele dia, o Brasil romperia a marca dos 30 mil óbitos.
Os números trágicos da Covid-19 no Brasil — que já é o segundo país com maior número de casos, atrás dos EUA —, porém, estão longe de ser uma fatalidade. Refletem a sucessão de equívocos do governo Bolsonaro, e também de governadores e prefeitos, no enfrentamento do novo coronavírus.
Bolsonaro tratou uma das mais letais pandemias da História como “gripezinha”, que não apresentaria maiores riscos para pessoas jovens e saudáveis. A doença infectou mais de 550 mil e pôs o país entre os quatro com maior número de mortes (atrás de EUA, Reino Unido e Itália). Em óbitos diários, o Brasil assumiu indesejável liderança.
Desde o início, Bolsonaro adotou discurso divergente do Ministério da Saúde de seu próprio governo. Enquanto a pasta defendia o isolamento para atividades não essenciais, o presidente criticava as quarentenas e dizia que as medidas de restrição eram um exagero.
A gestão do Ministério da Saúde durante a pandemia é talvez o melhor retrato do modo errático como Bolsonaro conduziu o combate à doença. Em plena fase de aceleração, demitiu o ministro Luiz Henrique Mandetta — cujo trabalho era aprovado pela população, segundo pesquisas de opinião — e levou o substituto, Nelson Teich, a pedir exoneração com menos de um mês no cargo. Os dois não resistiram às interferências de Bolsonaro em assuntos técnicos, como a liberação do novo protocolo da cloroquina, contra todas as evidências científicas, que apontam ineficácia do medicamento contra a Covid-19 e aumento do risco de mortes.
Com a efetivação ontem de Eduardo Pazuello como ministro interino da pasta, após 18 dias no cargo, o Brasil passou a ter três ministros da Saúde em menos de dois meses. Quando Mandetta saiu, o país registrava 1.924 mortes. Na terça, eram 31.199, o que representa um aumento de mais de 1.500%.
Evidentemente, governadores e prefeitos, que protagonizam o combate mais direto à pandemia, com autonomia dada pelo STF para decretar medidas de restrição, também têm suas digitais nesses números. Mesmo podendo contratar sem licitação numa situação de calamidade, não conseguiram adequar suas redes para receber a avalanche de doentes. Mas Bolsonaro não pode se eximir de responsabilidade, e muito menos falar em destino. Se o governo tivesse um discurso coeso, se a gestão da Saúde não enfrentasse tantos solavancos, se o país mantivesse uma política sanitária consistente, e mais comprometida com a Ciência, talvez o panorama hoje não fosse tão sombrio.
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