quinta-feira, 4 de junho de 2020

Maria Hermínia Tavares* - O pior dos exemplos

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro sabota esforços para conter a destruição trazida pelo coronavírus

Três meses depois da chegada da Covid-19, o país continua tateando em relação a tudo o que é importante para enfrentá-la. Muitos estados e municípios ensaiam a flexibilização do distanciamento social sem a segurança mínima que só a capacidade de rastrear os atingidos é capaz de dar. A única preocupação do presidente na matéria parece ser a de empurrar para governadores e prefeitos a imensa conta da catástrofe sanitária e econômica em curso.

Ou é ilusão, ou má-fé da parte dele. A sua responsabilidade é inequívoca e se desdobra em muitos planos: na falta de coordenação da política sanitária que caberia ao ministério cujo titular mudou três vezes em um mês; na hostilidade gratuita à Organização Mundial da Saúde, apartando o país das redes internacionais de cooperação nessa área literalmente vital; na demora em adotar medidas de proteção aos mais pobres e vulneráveis, aos empregados com carteira, aos pequenos empreendedores e às milhares de empresas necessitadas de apoio —iniciativas cujo porte mesquinho foi em parte corrigido pelo Congresso; na ausência, enfim, de qualquer noção do que fazer nos próximos meses, para não falar no próximo ano.

Como se fosse pouco, Bolsonaro comportou-se por palavras e atos como o principal agente desorganizador dos esforços para conter o impacto destrutivo do novo coronavirus. Desinformou os brasileiros e incentivou o desrespeito ao isolamento social, que até o momento é o único redutor comprovado da velocidade da contaminação.

Recente pesquisa nacional de opinião realizada pelo DataPoder360 mostra a população dividida ao meio entre os que se sentem e os que não se sentem seguros para sair de casa e retomar as suas atividades. Sintomaticamente, entre os 28% que apoiam Bolsonaro chega a 73% a proporção daqueles que acham seguro abandonar o distanciamento social. No grupo dos que o desaprovam, são apenas 37%.

À parte isso, estudo ainda inédito dos pesquisadores Ivan F. Fernandes, Gustavo A. Fernandes e Guilherme A. Fernandes —“Ideologia, isolamento e morte: uma análise dos efeitos do bolsonarismo na pandemia de Covid19”— mostra que a votação de presidente no primeiro turno, por município, tem correlação negativa com a taxa de isolamento, e correlação positiva com mortes por Covid-19. Ou seja, ali onde ele teve mais votos, o isolamento é menor e, em decorrência, maior o número de óbitos.

Embora os resultados não permitam dizer que as atitudes de Bolsonaro explicam o descaso de seus eleitores com a própria saúde e a dos outros, na melhor das hipóteses as suas bravatas o estimulam.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

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