- O Globo
Mesmo diante de atos graves, sustenta-se que não houve crime
Desde 2014, bolsonaristas comemoraram todas as prisões, preventivas, temporárias ou em segunda instância, decretadas por Sergio Moro. Construíram seu castelo sobre elas. Agora, atacam a prisão de Sara Giromini e de Fabrício Queiróz como afronta à liberdade e perseguição do Judiciário. Enquanto isso, o PT, que se opunha às prisões de seu tempo, celebra as atuais e nelas enxerga defesa da democracia.
Os momentos e os agentes são diversos, mas o discurso é o mesmo. Desqualificam-se decisões judiciais desfavoráveis e os juízes que as proferiram. Mesmo diante de atos graves, sustenta-se que não houve crime e que os fins justificam os meios. Todo excesso deve ser perdoado, pois o que importa é o combate às elites, a defesa da liberdade, a legitimidade do voto popular ou qualquer outra causa nobre de ocasião.
O discurso dos radicais coincide porque, na essência, eles também se parecem. Inventam uma guerra para unir as tropas e transformam o adversário no inimigo a ser destruído. Atacam com o argumento que estiver à mão. Despreocupados com a coerência, no fundo pensam o mesmo: quem nunca?
Quem nunca usou um cargo público como cabide de emprego? Quem nunca ocupou ideologicamente o governo quando chegou lá, e nomeou um amigo ou seguidor ferrenho no lugar de um candidato competente? Quem nunca recebeu uma pequena vantagem ilegal para ajudar a pagar as contas? Quem nunca se beneficiou indevidamente do fundo partidário? Quem nunca fez caixa 2 em campanha? Quem nunca lançou fake news para ganhar eleições?
Os discursos nos extremos, à esquerda e à direita, são de intolerância, mas ambos contam mesmo é com a tolerância dos brasileiros com os desmandos de seus governantes. É a nós, brasileiros, portanto, que cabe dizer basta. Unindo-nos em torno de propostas consistentes e exequíveis, e não de utopias ou agressões. Sendo intolerantes, mas não com o outro, como pregam os radicais, e sim com a ignorância, o oportunismo e a cara de pau que eles não se cansam de praticar.
*Marcelo Trindade é advogado e professor da PUC-Rio
Nenhum comentário:
Postar um comentário