- O Globo
Cientista político vislumbra retirada dos militares da arena política e o reforço da orientação para a defesa nacional
Diante da polêmica sobre o papel das Forças Armadas num regime democrático, o que deve um presidente de origem civil fazer com a questão militar? Esse é o tema sobre o qual se debruça o cientista político da Fundação Getulio Vargas do Rio Octavio Amorim Neto, num artigo para o boletim do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre). Ele leva em conta o pós-Bolsonaro, seja com a impugnação da chapa Bolsonaro-Mourão pelo TSE, ou com a derrota de Bolsonaro, ou Mourão ( em caso de impeachment) em 2022.
Como até hoje não houve força política para retirar da definição do papel das Forças Armadas a responsabilidade pelas “garantias dos poderes constitucionais”, como sugere o historiador José Murilo de Carvalho, da Academia Brasileira de Letras, Octavio Amorim Neto vislumbra outras possibilidades "de mais rápida e fácil implementação, todas tendo como norte a retirada dos militares da arena política e o reforço da orientação das Forças Armadas para atividades relacionadas à defesa nacional”.
O cientista político lembra que na Estratégia Nacional de Defesa havia a promessa de realizar “estudos sobre a criação de quadro de especialistas civis em Defesa, em complementação às carreiras existentes na administração civil e militar, de forma a constituir-se numa força de trabalho capaz de atuar na gestão de políticas públicas de defesa, em programas e projetos da área de defesa, bem como na interação com órgãos governamentais e a sociedade, integrando os pontos de vista político e técnico”.
Passados doze anos, o país dos concursos públicos ainda não conseguiu realizar o concurso para o quadro de especialistas civis em Defesa, critica Octavio Amorim Neto, que no longo prazo, “permitiriam democratizar as relações civis- militares em seu ponto nevrálgico, o Ministério da Defesa”.
Haverá certamente, admite Octavio Amorim Neto, muita resistência ao quadro de especialistas civis por parte das Forças Armadas, “uma vez que o Ministério da Defesa deixará de ser quase que completamente mobiliado por oficiais da Marinha, Exército e Força Aérea, tal qual se verifica hoje". Para aplacar essa resistência, o cientista político da FGV-Rio diz que um novo presidente de origem civil não deverá contingenciar o orçamento de investimento da Defesa, “de modo que as Forças Armadas possam ter a garantia de que conseguirão concluir seus principais projetos dentro dos prazos planejados”: aquisição de caças pela FAB – Projeto FX-2; programas de desenvolvimento de submarinos e o programa nuclear da Marinha – Pro-sub e PNM; despesas com a aquisição de cargueiros táticos de 10 a 20 toneladas e o programa de desenvolvimento de cargueiro tático de 10 a 20 toneladas – Projetos KC e KC-X; despesas com o programa de implantação do sistema de defesa estratégico – Astros 2020; despesa com a aquisição de blindados Guarani pelo Exército; e as referentes à implantação do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras – Sisfron.
“Será uma conta salgada, sobretudo para um país que estará em profunda crise econômica e social, mas pagá-la é condição necessária para que a Forças Armadas possam se concentrar em suas funções precípuas”, ressalta Amorim Neto, que recorda uma afirmação recente de Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa, segundo quem cabe ao poder político definir a Política Nacional e a Estratégia Nacional de Defesa, os objetivos, estrutura e meios das nossas Forças Armadas.
Mas, ressaltou Jungmann, “o poder político, não o faz, se aliena. A Política e Estratégia vigentes, elaboradas em 2016 quando era Ministro da Defesa, foram votadas na Câmara e no Senado sem audiências públicas, sem emendas, debates e por órgãos governamentais e a sociedade, integrando os pontos de vista político e voto simbólico”.
Octavio Amorim Neto afirma em seu trabalho que os líderes do Congresso deverão imprimir plena chancela parlamentar ao emprego das Forças Armadas em atividades intimamente relacionadas à defesa nacional. Para ele, “é absolutamente vital” que as lideranças democráticas do país comecem a pensar seriamente sobre a questão militar no pós-Bolsonaro, sob pena de termos que conviver com os fantasmas do pretorianismo por um longo tempo. “É ingenuidade ou desconhecimento da história achar que o encerramento dos mandatos de Bolsonaro e Mourão resolverá o problema”.
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