- Folha de S. Paulo
Presidente recuou nos últimos dias em conduta agressiva e tem feito gestos de pacificação ao Judiciário e Legislativo
Em uma tentativa de diminuir o desgaste do governo e proteger os filhos, o presidente Jair Bolsonaro deixou de lado nos últimos dias a postura beligerante, deu uma guinada em seu discurso público e passou a adotar um estilo “paz e amor”.
Nas duas últimas semanas, marcadas por operações policiais contra alvos próximos à sua família, o presidente recuou em conduta agressiva e fez gestos de pacificação ao Judiciário e ao Legislativo.
A mudança de postura —ao menos por enquanto— ocorreu após pelo menos dois integrantes da equipe ministerial terem recomendado ponderação ao presidente: Fernando Azevedo (Defesa) e Fábio Faria (Comunicações).
De acordo com assessores palacianos, ambos sugeriram a Bolsonaro que ele intensifique o diálogo tanto com o Judiciário como com o Legislativo na tentativa de evitar novos reveses, entre eles contra seus filhos.
Na quinta-feira (25), por exemplo, ao lado do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, Bolsonaro defendeu, em evento no Palácio do Planalto, a cooperação e a harmonia entre os três Poderes.
"Esse entendimento, essa cooperação, bem revela o momento que vivemos aqui no Brasil”, disse. “O nosso entendimento, no primeiro momento, é que pode sinalizar que teremos dias melhores para o nosso país", acrescentou.
Na quinta-feira (25), em um movimento que surpreendeu a classe política, nomeou o economista Carlos Decotelli, conhecido pelo perfil moderado e técnico, para o comando do Ministério da Educação.
O esperado, até mesmo por ministros palacianos, era que Bolsonaro mantivesse a pasta sob o controle de um nome olavista, que repetisse a linha ideológica adotada pelo antecessor Abraham Weintraub.
Ainda no mesmo dia, em live nas redes sociais, o presidente prestou homenagem às vítimas do novo coronavírus, destoando da defesa que tem feito desde o início da pandemia de que se trata de uma “gripezinha” que não pode interromper a atividade econômica.
“Sei que muitos programas de rádio pelo Brasil, às 18h, tocam a música 'Ave Maria'. Queria então prestar uma homenagem aos que se foram, vítimas do coronavírus”, pediu Bolsonaro ao presidente da Embratur, Gilson Machado, que a tocou em uma sanfona.
Em conversas reservadas, Bolsonaro tem demonstrado preocupação com as situações jurídicas do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Segundo relato de um deputado bolsonarista, o presidente chegou a se emocionar recentemente ao citar a possibilidade de uma operação ou de uma prisão de seus dois filhos mais velhos.
O receio começou na semana passada, quando a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra aliados do governo em inquérito sobre protestos antidemocráticos.
A operação não foi a primeira determinada pelo STF contra entusiastas do presidente. No final de maio, ativistas bolsonaristas também foram alvos no inquérito das fake news.
As duas investigações têm como relator o ministro Alexandre de Moraes, que citou a suspeita de participação do chamado “gabinete do ódio” em um esquema para disseminar notícias falsas e ofensas contra autoridades.
O "gabinete do ódio", bunker digital do Palácio do Planalto, é formado por três assessores presidenciais e é tutelado por Carlos, que coordenou a estratégia digital da campanha eleitoral bem-sucedida do pai, em 2018.
Após a segunda operação, realizada no início da semana passada, o presidente, que tinha como hábito fazer ataques diretos à corte, citando-a nominalmente, diminuiu o tom e começou a fazer apenas críticas indiretas.
A mudança de postura era ainda pontual, mas teve de ser ampliada após uma nova crise envolvendo outro filho.Naquela quinta-feira (18), foi preso o policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio. Ele é investigado por participação em suposto esquema de “rachadinha” no ex-gabinete do senador, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.
Os dois episódios impactaram o presidente, segundo aliados próximos, que decidiu deflagrar no mesmo dia uma operação de pacificação. Naquela tarde, Bolsonaro demitiu Abraham Weintraub, que havia insultado o STF e era desafeto tanto do Supremo como do Congresso.
E se reuniu no gabinete presidencial com deputados federais do centrão. No encontro, segundo relatos de presentes, ele teceu elogios ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com quem já protagonizou diversas trocas de críticas durante o mandato.
No dia seguinte, para reforçar o gesto, o presidente enviou a São Paulo três ministros para um encontro com Moraes. Na reunião, segundo relatos de presentes, foi dado o recado de que Bolsonaro está disposto a iniciar uma nova relação com o STF.
Nesse sentindo, o presidente decidiu estender bandeira branca ao futuro presidente do Supremo, Luiz Fux, e, por meio de interlocutores, informou ao ministro que quer construir um canal de diálogo com ele, evitando uma fissura permanente.
Na avaliação de deputados bolsonaristas, o movimento em relação ao Legislativo, além de evitar a instauração de um processo de impeachment, também tem como objetivo tentar proteger Flávio.
O Conselho de Ética do Senado analisa representação que pede a cassação do mandato do filho do presidente. A prisão de Queiroz levou a Rede a pedir inclusive urgência na abertura do processo.
Apesar de a nova postura de Bolsonaro ser elogiada tanto por integrantes do Legislativo como do Judiciário, ela ainda é vista com certo ceticismo.
Eles lembram que o presidente já ensaiou moderação em outros momentos no qual se sentiu acuado, mas que voltou a adotar um discurso beligerante após não se sentir mais ameaçado.
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