Projeto permite legalização de imóveis com pagamento de taxas, e meta é aumentar arrecadação
A estratégia torta do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de aproveitar o momento em que a sociedade está preocupada com a pandemia do novo coronavírus para “passar a boiada” — flexibilizar as regras ambientais sem alarde — está fazendo escola no Rio. O prefeito Marcelo Crivella se fez valer da desmobilização da sociedade e conseguiu aprovar, na Câmara de Vereadores, na noite de terça-feira, Projeto de Lei Complementar que altera uma série de normas urbanísticas.
Entre outras liberalidades, o PLC, que já está sendo chamado de “Lei do Puxadinho”, pela maneira pouco ortodoxa como trata o espaço urbano, permite a legalização de imóveis por meio do pagamento de taxas. A prefeitura não esconde que o principal objetivo do projeto é aumentar a arrecadação do município, dilapidada pelo novo coronavírus — fala-se num incremento da ordem de R$ 600 milhões.
O projeto autoriza o aumento no gabarito dos prédios, a transformação de apartamentos em salas comerciais e construções acima de cem metros do nível do mar, o limite chamado “cota cem” . Argumenta-se que as permissões seriam temporárias, o que, em se tratando de poder público, é sempre uma temeridade.
O texto aprovado só deverá valer por dois meses. Ainda que o prazo seja curto, ele demonstra mais uma vez o pouco caso da prefeitura com regras que visam ao ordenamento urbano e à preservação ambiental. Não é a primeira vez que isso acontece. Seria bom se fosse a última.
Chamou a atenção a pressa com que tudo foi feito. Vereadores de oposição queriam adiar a votação para que houvesse mais tempo de discutir as emendas. Mas o líder do governo, Doutor Jairinho, pressionou para que o tema fosse colocado em pauta. Temia-se que uma nova liminar da Justiça interrompesse a tramitação, como já acontecera.
O projeto institui uma espécie de “carteirada” urbanística, na medida em que beneficia parte da população que pode pagar para legalizar os imóveis. O Ministério Público estadual fez duras críticas. Uma delas é que as mudanças poderiam favorecer as milícias, pois é sabido que as construções ilegais são hoje uma das principais fontes de renda desses grupos criminosos. A prefeitura rechaça a acusação, argumentando que milicianos não atuam no mercado formal.
Aprovado por 29 votos a 19, o projeto de lei vai agora para sanção do prefeito Marcelo Crivella. É do jogo. Mas, para o bem da cidade e dos cariocas, esse afrouxamento nas regras não deveria se repetir. A pandemia acabará um dia, mas as deformações urbanísticas ficarão para a vida toda.
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