O nível do debate público no País estaria mais civilizado se as discussões fossem pautadas por argumentos, não por gritaria
O nível do debate público no País estaria em patamar mais civilizado se as discussões sobre os mais variados temas de interesse nacional fossem pautadas por argumentos que, embora divergentes, estivessem mais amparados na verdade factual do que na gritaria dos que têm como único objetivo ter o “domínio da narrativa”. A promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/2016, a chamada PEC do teto dos gastos públicos, durante o governo do presidente Michel Temer, é um bom exemplo. À época, os que eram contrários ao marco democrático alardearam aos quatro ventos que a PEC iria “acabar com os investimentos na área da saúde”. Há quem sustente isso ainda hoje. Nada mais falacioso.
Um dos formuladores da PEC do teto dos gastos, o economista Marcos Mendes, do Insper, publicou há poucos dias um estudo mostrando exatamente o contrário. Desde a promulgação da PEC, os gastos federais em saúde foram 2,7% superiores ao que teriam sido caso a proposta não fosse aprovada. Está-se falando de R$ 9,3 bilhões a mais para a saúde entre 2017 e 2019. É muito dinheiro, sobretudo para uma área tão essencial para a cidadania. Naquele triênio, foram gastos R$ 353,8 bilhões na área da saúde, ante os R$ 344,5 bilhões projetados no cenário sem a PEC do teto.
Com toda razão, Marcos Mendes disse em entrevista ao Estado que “a pobreza e o desemprego decorrentes de uma crise fiscal também são prejudiciais à saúde das famílias”. Para relembrar o leitor: a PEC do teto dos gastos proíbe o crescimento das despesas públicas acima do IPCA. Desta forma, evita-se o endividamento crônico do Estado, o que por sua vez ajuda no controle da inflação, na redução dos juros e no aumento da confiança na economia brasileira, entre outros benefícios. Caso o teto dos gastos não seja respeitado – como perigosamente tem sido cogitado dentro e fora do governo –, dá-se o efeito reverso, ou seja, mais inflação, juros mais altos, cenário recessivo e desemprego.
Defender o teto dos gastos, porém, não significa dizer que a área da saúde não precisa de mais investimentos futuros ou não deve ter aumento em suas despesas nos próximos anos, sobretudo em virtude do rápido envelhecimento da população, como bem alertou Marcos Mendes. A pandemia de covid-19 só aumentou a percepção da importância de um sistema público de saúde robusto para atender os milhões de desvalidos deste país.
Nesse sentido, é muito bem-vinda a iniciativa do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de criar um grupo de trabalho nos próximos dias para propor mudanças no Sistema Único de Saúde (SUS), de forma a melhorar o financiamento do sistema e melhorar o processo de compras e fiscalização do emprego dos recursos públicos. O grupo será liderado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), que terá dez dias para montar o plano de trabalho. “A Câmara dos Deputados já debateu muito sobre o SUS. Agora é hora de reorganizar o sistema”, disse ao Estado.
A revitalização do SUS pode ser um dos poucos legados positivos da tragédia sanitária que se abateu sobre o País. Na primeira quinzena de agosto, a ser mantida a média móvel de cerca de 1.100 mortes diárias, o novo coronavírus terá sido o responsável pela morte de 100 mil brasileiros. Não fosse o SUS, seria muito pior. Há muitos anos o sistema clama por melhorias. O SUS presta um serviço de excelência em uma miríade de áreas, como transplantes, pesquisas, vacinação e fornecimento de medicamentos essenciais para a população. Mas há muito a melhorar para que o sistema, além de universal e gratuito, seja reconhecido pela alta qualidade de todos os serviços que presta. E assim não é, em boa medida, pela enorme defasagem da atualização da tabela de remuneração desses serviços, por problemas de gestão e, não menos importante, por crimes cometidos contra a administração pública.
Em boa hora, a Câmara dos Deputados olhará para o SUS com a atenção que o sistema requer.
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