- O Estado de S.Paulo
Não basta lutar por melhores condições de trabalho, mas também que a legislação se atualize para proteger essas novas ocupações que surgem
Um dos grandes equívocos de muitos que pretendem encaminhar soluções para o problema do desemprego é entender que, se não houver uma contratação do trabalhador por uma empresa, pelas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o emprego é necessariamente “precarizado”, portanto sumariamente condenável, por não passar de exploração do trabalhador.
Esta não é uma coluna que pretende debater o conceito de trabalho precarizado ou conceito de precariado, que é a existência de uma subdivisão moderna da classe proletária. Pretende apenas chamar a atenção para uma importante transformação do trabalho, o que, por sua vez, é consequência da utilização crescente de tecnologia da informação e de aplicativos digitais.
Diante dessas transformações, o vínculo trabalhista, tal como o conhecemos, está perdendo importância. Por toda a parte, crescem as ocupações autônomas ou por conta própria, especialmente na área de serviços.
O trabalhador é empurrado para atuar por conta própria, por meio de uma empresa individual ou por contratação de serviços pessoais. Essa é a principal razão pela qual proliferam os entregadores por aplicativos (iFood, Rappi, Uber Eats), os serviços de transporte individual (Uber, 99 e Cabify), os aluguéis de alojamento pelo Airbnb, as encomendas de freelancer, etc.
Em grande número de casos, trata-se, sim, de uma modalidade de trabalho precarizada, no sentido de que não garante as proteções previstas em lei, como seguro-desemprego, 13.º salário, limitações à jornada de trabalho, férias, contribuição previdenciária e tudo o mais. Na maior parte dos casos, esses trabalhadores ralam o dia inteiro, e, mesmo nos fins de semana, em troca de uma remuneração insignificante. Mas a solução não é empurrar o trabalhador para a CLT, especialmente numa situação, como a de agora, em que o desemprego está disparando.
Em algumas localidades foi essa a tentativa. Em Paris e na Califórnia, a ideia foi exigir vínculo trabalhista dos provedores de aplicativos com os profissionais que os usam. Essa é solução inadequada. O simples uso de um aplicativo não caracteriza vínculo trabalhista disfarçado. Um taxista, por exemplo, também pode usar aplicativos para localizar passageiros, sem que, por isso, seja exigido que se transforme num empregado de uma firma qualquer. Em certos casos, a exigência de vínculo trabalhista não veio para acabar com a precarização, mas para asfixiar a concorrência a profissionais que se defendem corporativamente.
Não faz sentido exigir vínculo trabalhista para um trabalhador que queira dispor de seu tempo como lhe convier ou que opera com vários aplicativos. Seria como pretender a mesma coisa do caminhoneiro autônomo ou do proprietário de um imóvel utilizado também para hospedagem.
Resta o problema de origem, a falta de proteção a essas novas atividades. Não basta lutar por melhores condições, como querem os motoboys em seus movimentos reivindicatórios. É preciso que a legislação se atualize e, nessa atualização, se inclua a que regula a atividade do Microempreendedor Individual (MEI), também desamparado e destituído de segurança jurídica.
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