Ao mesmo tempo em que multiplicou canais entre cidadãos, a pandemia os afastou de suas cidades. Eleições são o momento ideal para reaproximá-los
A pandemia reacendeu o debate – particularmente oportuno no Brasil, em vista das eleições municipais – sobre o futuro das cidades. Em Carta Aberta, um consórcio de instituições representativas da arquitetura e do urbanismo apresentou 51 recomendações para “diminuir as distâncias entre a cidade real e a ideal”.
A gestão urbana, enfatiza o manifesto, depende de um “mosaico de saberes” orientados por cinco princípios: 1) colocar as pessoas no centro das políticas e projetos, priorizando o acesso ao saneamento, moradia e educação cívica; 2) planejar de forma transversal, inclusiva e integrada, mediante políticas de Estado independentes dos governos de turno; 3) financiar essas políticas com recursos de diversas fontes; 4) otimizar recursos por meio de consórcios intermunicipais; e 5) estimular a participação popular nos processos decisórios.
As recomendações são articuladas em cinco categorias: saúde; sustentabilidade; governança e financiamento; paisagem e patrimônio; e mobilidade e inclusão.
No espectro sanitário é imperativo universalizar o saneamento básico. A aprovação do novo marco do saneamento abre um horizonte promissor aos municípios. É preciso especial atenção à mazela crônica das favelas e assentamentos ilegais. Programas extensivos de titularização de propriedades e de urbanização de assentamentos precários são urgentes. Para tanto, pode ser conveniente criar fundos especiais de desenvolvimento urbano e habitação voltados às comunidades marginalizadas.
A sustentabilidade das cidades depende vitalmente de uma articulação orgânica entre o centro e as periferias. É crucial revitalizar os centros, por meio de modelos de habitação para múltiplas faixas de renda (sobretudo nos imóveis abandonados ou subutilizados), da locação social, de usos mistos e da multifuncionalidade, evitando a criação de novos bairros distantes e desconectados da infraestrutura urbana. Ao mesmo tempo, é preciso mitigar a segregação territorial, provendo infraestrutura para áreas periféricas e equipando cada bairro para universalizar o acesso a serviços básicos em curtas distâncias. Os gestores devem considerar mecanismos compulsórios de parcelamento, edificação e utilização de vazios urbanos para adensar a infraestrutura já instalada e a democratização do acesso ao crédito imobiliário para possibilitar a atuação de pequenos empreendedores. A fim de melhorar a qualidade ambiental, é preciso investir na criação de parques, no reflorestamento de áreas de preservação e na agricultura urbana.
Parcerias com universidades e entidades representativas da sociedade civil são decisivas para otimizar os processos de governança e escorá-los na técnica. Mecanismos de financiamento para a requalificação urbana incluem a implementação do IPTU progressivo; de Zonas Especiais de Interesse Social nas áreas desprovidas de infraestrutura; ou da Outorga Onerosa do Direito de Construir para viabilizar o acesso dos mais pobres às áreas consolidadas.
Os cuidados com o patrimônio pedem programas de educação patrimonial e atenção à catalogação e revitalização de edifícios e outros bens históricos. O turismo deve ser integrado à gestão municipal não apenas pelos seus benefícios econômicos, mas culturais e sociais.
Programas de mobilidade e inclusão devem focar na valorização do transporte público e de modais alternativos, se necessário por intermédio de mecanismos tarifários ou de desenhos viários (como a ampliação das faixas de ônibus e ciclovias) que desestimulem o uso de automóveis e promovam o transporte sustentável. Os signatários da Carta sugerem ainda a implementação de políticas que favoreçam novos modos de trabalho, tais como turnos alternados e teletrabalho.
Para adaptar estas recomendações à realidade de cada uma das 5.570 cidades brasileiras, seus gestores deveriam dar especial atenção à participação da sociedade. A pandemia, ao mesmo tempo que multiplicou os canais de comunicação entre os cidadãos, os afastou de suas cidades. As eleições são o momento ideal para reaproximá-los.
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