As medidas do governo para a ciência, tecnologia e inovação vão no sentido contrário do preconizado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual
Uma das áreas mais afetadas por cortes no projeto de lei orçamentária (PLO) enviada pelo governo ao Congresso é o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Uma verba de R$ 8 bilhões foi destinada ao MCTI para 2021, valor 31,7% menor do que os R$ 11,8 bilhões previstos para este ano, quando já houve dificuldades para pagar bolsas de pesquisa de órgãos vinculados ao ministério. O corte pode ser ainda maior devido à expectativa de que o contingenciamento aplicado neste ano seja repetido em 2021.
De janeiro a setembro, foram gastos apenas 37% do previsto. Especula-se que a reserva de contingência de 2021 chegue a 60%. Sobrariam R$ 3,1 bilhões dos R$ 8 bilhões alocados, dos quais R$ 1,6 bilhão seriam absorvidos pelas despesas obrigatórias, como salários. Restariam R$ 1,5 bilhão para as despesas discricionárias, como as destinadas ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Receia-se que o CNPq seja especialmente afetado no próximo ano uma vez que, até agora, a tesoura vem recaindo mais sobre o FNDCT. Responsável por financiar pesquisa e inovação em universidades e empresas, o FNDCT vem sendo cortado nos últimos anos. A verba livre do FNDCT, que já superou R$ 4 bilhões, caiu seguidamente, para R$ 850 milhões em 2019, R$ 600 milhões este ano e R$ 510 milhões previstos para 2021. Para o CNPq, o orçamento se manteve na faixa dos R$ 1,2 bilhão em 2019 e 2020, mas cairá para R$ 560 milhões em 2021.
O CNPq deve perder mais da metade do orçamento, prevê especialista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com restrição ainda maior para as bolsas de estudo. Em 2015, eram 105 mil, este ano, 84 mil e, provavelmente, será ainda menor em 2021.
As medidas do governo para a ciência, tecnologia e inovação vão no sentido contrário do preconizado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) para melhorar a competitividade, ao divulgar o ranking do Índice Global de Inovação 2020 (IGI), na semana passada, em live organizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), parceira na produção do levantamento desde 2017, ao lado da americana Universidade de Cornell e da francesa Insead.
O IGI leva em conta 80 indicadores de 30 fontes internacionais públicas e privadas. Desse total, 58 representam dados concretos, 18 são indicadores compostos e quatro são obtidos em questionários. O ranking de 2020 do IGI mostrou o Brasil em 62º lugar entre 131 países analisados. O Brasil subiu quatro postos, mas o ganho foi devido ao recuo de outros países e não propriamente a um avanço brasileiro. Com 31,94 pontos agora, o Brasil fica em quarto lugar na América Latina; e na pior posição entre os Brics, atrás da África do Sul (32,67 pontos).
Os pontos mais fracos do Brasil em inovação, de acordo com o IGI, são a sofisticação do mercado (91º lugar), a visão institucional (82º posto), que contrasta com a disposição favorável à inovação do setor privado; a criatividade (77º); o resultado da inovação (64º); e a infraestrutura (61º). Em investimento em capital humano, o Brasil se situa em 49º lugar em consequência dos gastos com educação. Mas para o professor da Universidade de Cornell e um dos responsáveis pelo IGI, Sumitra Dutta, o fraco desempenho dos estudantes brasileiros no Pisa indicam que os recursos não estão sendo bem utilizados.
O IGI 2020 não reflete ainda o impacto da pandemia e os responsáveis pela pesquisa contam com uma redução dos financiamentos canalizados para a inovação, com a exceção do setor de saúde. Dutta, salientou que investir em inovação é plantar para o futuro, comparando as estratégias de diferentes países para enfrentar o efeito econômico negativo da pandemia do novo coronavírus.
Enquanto a Europa financiou as empresas para que garantissem os empregos, e os Estados Unidos (3º lugar no ranking) apoiaram diretamente a população, a China (14º) lançou diversos programas de financiamento à inovação em 5G e inteligência artificial entre outras áreas.
No Brasil, uma expectativa positiva vem da discussão no Congresso do Projeto de Lei Complementar 135/2020. Aprovado pelo Senado, o texto depende da votação da Câmara. O projeto libera os recursos do FNDCT. Segundo a CNI, entre 2004 e 2019, cerca de 11 mil projetos de PD&I foram financiados pelo FNDCT. Mas mais de R$ 25 bilhões foram contingenciados ao longo dos anos e estão retidos no Tesouro Nacional. O projeto elimina o risco de contingenciamentos do fundo.
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