- Valor Econômico
Candidatura de ex-nadador divide forças do presidente no Rio
O presidente Jair Bolsonaro disse que não se meteria na disputa municipal e corre o risco de ver, em seu reduto eleitoral, a situação escapar do controle, com a fragmentação do cenário e a divisão do bolsonarismo no Rio. A novidade com as convenções do fim de semana e do feriado de ontem foi o surgimento de uma terceira via à polarização que se desenhava entre o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) - apoiado discretamente pelo presidente - e o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM).
Partido pelo qual Bolsonaro se elegeu ao Planalto e com o qual rompeu, o PSL se prepara para lançar o deputado federal e ex-nadador Luiz Lima, tendo como vice a ex-deputada Cristiane Brasil, filha do cacique do PTB Roberto Jefferson. Com os portentosos fundo eleitoral e tempo de TV do PSL, é uma candidatura que tem o condão de embolar a peleja, animar a enfraquecida e desanimada esquerda e eventualmente deixar o clã Bolsonaro sem um nome para chamar de seu no provável segundo turno.
Luiz Lima é um típico bolsonarista, porém com uma verve mais cordata, ao estilo do primogênito e senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em vez do radicalismo dos dois outros filhos políticos do presidente, o vereador Carlos (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Em tempos de pandemia, já travou duelo em debate de TV com o calejado Marcelo Freixo (Psol-RJ) sem deixar evidente a exígua experiência parlamentar.
Sua entrada no páreo atropela as pretensões de aliança, desejadas tanto por Paes quanto por Crivella, bem como o extremismo do deputado estadual Rodrigo Amorim, que já havia sido até lançado pelo PSL como pré-candidato. O campeão de votos à Assembleia - que quebrou uma placa de homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco (Psol), durante a campanha de 2018 - perdeu tração ao se aproximar do hoje governador afastado Wilson Witzel (PSC) e caiu em desgraça com a família do presidente da República.
Bolsonaro é sempre Bolsonaro. Mas o grande acordo com os partidos do Centrão, para lhe dar apoio no Congresso, além da prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, o fizeram calibrar o destempero e os arroubos, que se tornaram mais esparsos. Até uma reaproximação com o PSL, coalhado de desafetos, passou a ser cogitada.
O perfil de Luiz Lima se enquadra no novo diapasão. E é figura mais palatável em meio à cicatrização das feridas dos deputados que se digladiaram pelo controle do PSL entre facções de apoio a Bolsonaro e ao presidente nacional da sigla, Luciano Bivar. Há quem duvide que a candidatura de um bolsonarista com “menos sangue no olho”, como Lima, possa ser competitiva a ponto de repetir, em 2020, a ascensão de um outsider à Prefeitura do Rio, a exemplo dos inúmeros deputados e governadores - Witzel, Ibaneis (MDB-DF), Romeu Zema (Novo-MG), Carlos Moisés (PSL-SC) - que se elegeram na onda Bolsonaro em 2018. Mas o estrago já está sendo calculado.
Um dos efeitos, afirma uma fonte consultada pela coluna, é que a candidatura do ex-nadador enterra de vez a chance do presidente apoiar Crivella no primeiro turno. Se já não havia muita disposição, diante da associação da imagem de Bolsonaro à impopularidade do prefeito e a uma eventual derrota nas urnas, a situação ficou mais complicada. Sem conseguir criar um novo partido a tempo, o clã no Rio se abrigou no Republicanos de Crivella, que na convenção de ontem confirmou os nomes de Carlos e de sua mãe, Rogéria Nantes, como candidatos a vereador. Mas o acordo é considerado de conveniência.
Com Luiz Lima e o prefeito na disputa, além da lembrança fresca da traição de Witzel e da ruptura com o PSL na memória, Flávio - o verdadeiro operador político do presidente no Estado - tende a ficar entre “a cruz e a espada”: entre um bolsonarista-raiz e o candidato da Igreja Universal, cujo líder religioso, Edir Macedo, é tio de Crivella e eminência parda do Republicanos. Um gesto de favorecimento ao ex-nadador poderia fragilizar o apoio a Bolsonaro no Congresso ou mesmo a indicação de Flávio, pelo Republicanos, a comissões permanentes do Senado.
Outro impacto da candidatura do PSL é o de fragmentar os votos conservadores e permitir que um nome ligado ao campo progressista, como o da deputada Martha Rocha (PDT), chegue ao segundo turno - algo que era mais improvável no cenário polarizado que se desenhava entre Crivella versus Paes. Um aliado do ex-prefeito afirma que a parlamentar, por ter sido delegada de polícia, pode despertar um voto útil da esquerda em prol de Paes, mas ao mesmo tempo, se chegar ao segundo turno, representaria a maior ameaça à volta do candidato do DEM à prefeitura.
Por essas e por outras, diz, é que faz sentido Paes ser, cada vez mais, o “supersambarilove”, numa referência ao personagem de humor que investe na lábia para se dar bem. Ameaçado pelo bolsonarismo, é o candidato que tem a ganhar com o flerte e pontes que já construiu com os progressistas. A primeira legenda a aderir ao ex-prefeito foi o Cidadania, numa coligação à qual deve se juntar o PL, que indicou o dirigente partidário Nilton Caldeira para vice de Paes. O PL, no entanto, topa abrir mão do posto caso o Progressistas decida a abandonar a aliança com o Crivella, o que seria o segundo grande revés para o prefeito depois da candidatura de Lima.
Com o novo cenário, Paes ainda buscaria atrair o Solidariedade, que também está na órbita de Crivella, e aguarda a posição do PSDB, presidido por Paulo Marinho. Pré-candidato, Marinho diz que adiou a convenção para o dia 14, quando já terá se reunido com o governador de São Paulo, João Doria, e o presidente nacional da sigla, Bruno Araújo, que está com covid-19. Sua preferência, numa indicação de que gostaria de apoiar Paes, é por um “projeto que salve o Rio”, mas conta que Doria vê a candidatura própria como uma chance de fortalecer o partido no Estado e o plano presidencial do governador em 2022. Desafeto do clã Bolsonaro, Marinho afirma que vai sugerir dois nomes para vice de Paes e minimiza as chances do ex-nadador Luiz Lima. “Foi atleta bem sucedido, mas vai morrer na praia”, brinca. Cristiane Brasil rebate: “Pior é a [candidatura] dele, que não saiu do campo da especulação”.
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