terça-feira, 8 de setembro de 2020

Inquérito no STF expõe fragilidade do controle interno no Congresso – Editorial | O Globo

É inaceitável a fraude recorrente no uso de verbas legislativas e no financiamento eleitoral

O Supremo Tribunal Federal autorizou um inquérito sigiloso contra dois senadores, nove deputados federais e 18 ex-deputados e ex-senadores. Todos são suspeitos de peculato, desvios de verbas transferidas pelo Congresso para custear despesas inerentes ao exercício do mandato.

O caso se refere à legislatura passada (2014-2018) e envolve somente 1,8% dos atuais 594 congressistas. A Cota Parlamentar, objeto da investigação, funciona como caixa para financiar despesas como passagens aéreas ou aluguel de veículos. Varia entre R$ 35 mil e R$ 44 mil, conforme o estado do deputado ou senador.

A ministra Rosa Weber justificou a decisão, que divulgou na semana passada, com base nos indícios apresentados pelo Ministério Público Federal a partir de “relatórios técnicos de investigação, documentos e áudios obtidos em diligências de busca e apreensão, quebras de sigilo telefônico, bancário e fiscal”. Citou especificamente o artigo 312 do Código Penal, que pune com dois a 12 anos de prisão, além de multa, os servidores que se apropriam ou desviam dinheiro público entregue em razão do cargo.

A reação inicial foi o previsível protesto contra a “criminalização da política”, repetido desde 2014, quando líderes de partidos de esquerda começaram a ser expostos em episódios de corrupção. É um argumento pueril, como atesta a ministra Weber. Os fatos sugerem o desvio de dinheiro público por uma minoria parlamentar e precisam ser apurados.

O problema está na recorrência de fraudes nas verbas legislativas e no financiamento partidário e eleitoral. Senado e Câmara operam com orçamento de R$ 10,5 bilhões. Os 33 partidos custam R$ 1 bilhão aos cofres públicos anualmente, além de R$ 3 bilhões extras em anos eleitorais como este. A soma (R$ 14,5 bilhões) representa gastos exclusivamente com estrutura política no âmbito federal, não inclui estados e municípios.

Fiscalização e controle são rarefeitos. Recentemente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), citou um contingente de 400 funcionários dedicados à análise das prestações de contas dos 513 deputados. A ineficiência também é visível na Justiça Eleitoral. Até julho, mais da metade dos 100 mil diretórios partidários nem sequer havia apresentado sua contabilidade, como manda a lei.

Câmara e Senado precisam promover reformas administrativas próprias para reduzir gastos e ganhar eficiência no manejo do dinheiro público. Deveriam ser simultâneas a mudanças no financiamento partidário e eleitoral. É o mínimo, em respeito a quem paga as contas.

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