- Folha de S. Paulo
Ímpeto espontâneo da humanidade é o de confirmar preconceitos, e não o de buscar a verdade
Um mês atrás, Joe Biden parecia destinado a uma vitória avassaladora. Agora, não mais. Aparentemente, os protestos violentos de movimentos de esquerda começaram a pesar na opinião pública.
Além disso, as redes sociais estão inundadas de mentiras sobre como Biden e seu partido são radicais revolucionários que querem atear fogo no país e implantar um regime comunista. Nada disso é verdade (a mesma mentira, diga-se, foi usada contra Obama); e todo mundo sabe que não é. Mesmo assim, não duvido que cole e que Trump, mais uma vez, vença.
Aqui no Brasil também estamos nos afogando na maré de ódio e mentiras. E não parece que ela vá retroceder.
No domingo (30), tivemos um caso exemplar. Influenciadores bolsonaristas, como Guilherme Fiuza e o deputado federal Daniel Silveira, espalharam a acusação de que o jornal O Estado de S. Paulo veiculara fotos falsas. Em sua edição de domingo, ele mostrara a praia de Ipanema cheia de gente, em plena pandemia. Disse Silveira em sua rede social: "Essa foto é no estado de São Paulo, é antiga e foi publicada para manipular as pessoas. O próprio Joseph Goebbels sentiria vergonha de tamanho amadorismo na estratégia de convencimento em massa. Boçal!".
A acusação foi prontamente rebatida pelo jornal. A foto era atual. Com efeito, havia pessoas usando máscara; ou seja, impossível ser uma cena de anos atrás. Fiuza e Silveira ambos publicaram discretos pedidos de desculpas pelo inocente equívoco. Tudo isso, é claro, pouco importa. A mentira foi lançada e corre pelos grupos de WhatsApp.
Pouquíssimos verão a correção. E, dos que a virem, quantos acreditarão?
Foram centenas de usuários que, mesmo depois de serem informados, preferiram acreditar que o jornal manipulara as imagens, colocando pessoas de máscara. Surgiram até especialistas para apontar inconsistências nas sombras projetadas pelos guardas-sóis. Nem mesmo a verdade os libertou.
Gostamos de acreditar que a verdade e a racionalidade, por uma força interna, sempre vencem. E talvez, no longuíssimo prazo, isso seja verdade. Mas no presente, o desejo de estar certo e de atacar os "inimigos" fala mais alto. Melhor supor uma conspiração perversa do que aceitar que aquele sujeito que já errou várias vezes —mas que está no mesmo time que você— esteja mentindo agora.
A vigarice dos principais formadores de opinião salta aos olhos. Contudo, não creio que eles sejam o fator preponderante. Se a atual safra de bolsonaristas famosos se arrependesse e mudasse de postura, novos tomariam seu lugar e nada mudaria.
Eles atendem a uma demanda que não deixará de existir se eles saírem de cena.
As ferramentas para distorcer a verdade e veicular uma mentira são tão baratas que qualquer um pode fazê-lo.
O apelo de usar esse poder a serviço de um grupo político, sem qualquer freio ético, em troca de uns trocados ou mesmo só pela fama nas redes, é muito alto.
A demanda por esse tipo de conteúdo é e sempre será alta: o ímpeto espontâneo da humanidade é o de confirmar preconceitos, e não o de buscar a verdade. Seja no Brasil ou nos EUA.
Contra tudo isso, alguém como Biden, um moderado, que não excita as paixões mais exacerbadas e nem vive de produzir mentiras dia e noite, tem alguma chance?
O mundo respirará aliviado caso ele vença em novembro. Significará que a onda de ódio e mentiras pode ser vencida. Só não conte com isso.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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