A Justiça brasileira continua morosa e a situação é pior na fase de execução, em especial em questões fiscais
A Câmara dos Deputados aprovou a criação de mais um tribunal federal regional, que será exclusivo para Minas Gerais, na semana passada, apenas um dia depois de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ter divulgado que as despesas do Poder Judiciário superaram os R$ 100 bilhões pela primeira vez na história, em 2019. O levantamento é do relatório “Justiça em Números”, elaborado anualmente pelo CNJ. Como comparação, o gasto foi um pouco inferior aos orçamentos da Educação e da Saúde, de R$ 117 bilhões e R$ 122,6 bilhões, respectivamente, para o ano passado.
Proposta do presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro João Otávio Noronha, que está prestes a deixar o cargo, e da bancada de deputados de Minas Gerais, a instalação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) foi criticada pelo impacto nos gastos do governo em momento de sérios constrangimentos fiscais, quando faltam recursos até para a continuidade do auxílio emergencial, que vem ajudando a população carente durante a pandemia.
Os defensores do novo tribunal federal argumentam que o pleito tem 10 anos e não vai aumentar despesas porque a sede já existe em Belo Horizonte e os cargos serão remanejados da 1ª Região, que atualmente cuida também de Minas Gerais. Difícil acreditar. Emenda apresentada para o projeto, determinando que os gastos de todos os tribunais no próximo ano sejam equivalentes aos valores deste ano, corrigidos apenas pela inflação, acabou rejeitada em votação simbólica. O projeto segue agora para o Senado.
Na sequência, confirmando as suspeitas de aumento de gastos, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que transforma cargos vagos de juiz federal substituto em cargos de juiz de tribunais regionais federais (TRFs), certamente com contracheques maiores e os incontáveis benefícios. A proposta foi aprovada por quase todos os partidos, com exceção do Novo, Psol e Cidadania, os mesmos que se posicionaram conta a criação do TRF-6 neste momento de pandemia.
Os dados do CNJ mostram que os gastos do Judiciário vêm superando a inflação. No ano passado, o aumento foi de 6,7% em comparação com as despesas de R$ 93,7 bilhões de 2018, resultando em um aumento de 2,6% acima da inflação. Os números não incluem o Superior Tribunal Federal (STF). O crescimento foi puxado principalmente pelas despesas com pessoal (2,2% reais). Do total, nada menos do que 90,6% foi destinado ao pagamento de pessoal. O relatório do CNJ explica que os gastos com pessoal compreendem, além da remuneração com magistrados, servidores, inativos, terceirizados e estagiários, todos os demais auxílios e assistências, tais como auxílio-alimentação, diárias, passagens, além da previdência. Apesar de serem apenas 4,1% do quadro de pessoal do Judiciário, juízes, desembargadores e ministros representam 10% de todo o gasto do Judiciário.
Com essa folha, o relatório Justiça em Números calcula que o Judiciário custa R$ 479,16 para cada brasileiro. O número é superior ao registrado na média dos países da Comunidade Europeia, calculado pela Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (Cepej). Pela cotação atual do euro, ficaria ao redor de € 75 por brasileiro, quando a média dos países da Comunidade Europeia era de € 53,57 por habitante, em 2016, o mais recente disponível. Nessa base de comparação, o custo do Judiciário brasileiro é exatamente igual ao do italiano, ligeiramente menor do que o espanhol (€ 79) e mais caro do que o francês (€ 65,88).
O Justiça em Números registrou, também, a maior queda de estoque de processos da série histórica contabilizada pelo CNJ, com início a partir de 2009. O Judiciário chegou, ao fim de 2019, com 77,1 milhões aguardando alguma solução definitiva. O número representa uma redução de 1,5 milhão de processos em trâmite, em relação a 2018.Foi o segundo ano consecutivo em que o relatório mostra uma queda.
Apesar disso tudo, a Justiça brasileira continua morosa e a situação é pior na fase de execução, em especial em questões fiscais. Os processos de execução fiscal representam 39% do total de casos pendentes e 70% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 87%. O prazo médio de solução desses casos é de 6,5 anos. Já Justiça comum, a taxa de congestionamento é de 68,5%. Uma decisão em primeiro grau leva 2 anos e seis meses; já em segundo grau, 10 meses, ou 300 dias. A média total na Comunidade Europeia era de 192 dias, ou pouco mais de seis meses.
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