EUA: polarização nacional, eleições
locais
A campanha presidencial nos EUA virou um
jogo de apostas altíssimas agora que Trump poderá ter maioria estável na
Suprema Corte, em um pleito que provavelmente será judicializado. Mas, se o
pleito é nacional, de importância inédita, a disputa é fragmentada,
estadualizada.
Isso se deve à importância no colégio eleitoral dos
"swing states" —estados com muitos delegados e onde há equilíbrio de
forças. Espécie de relíquia institucional, tem sobrevivido a 700 emendas
constitucionais apresentadas para sua eliminação, que tiveram apoio massivo,
como discuti neste espaço.
Países que copiaram os EUA nas suas constituições
eliminaram o colégio já no século 19, e outros no século 20, como a Argentina
(1995) e o Chile (1920).
A instituição é exemplo de regra majoritária
("winner takes all") aplicada a eleições presidenciais, mas o
raciocínio vale para as legislativas.
As chances de vitória no colégio e derrota no voto
popular têm origem dupla: a) o ganhador no estado escolhe todos os delegados da
jurisdição: uma vitória por uma margem de 1% produz um ganho de 100%; b) o
número de delegados em cada estado é a soma do número de deputados federais e
senadores, o que favorece os de menor população.
Entre nós, na República Velha, valia a mesma
lógica, mas para as eleições legislativas: o mais votado em cada distrito
levava a totalidade das vagas em disputa (que variava de 1 a 4). Utilizamos
também no Segundo Reinado distritos de um representante, como nos EUA hoje. O
impacto da regra fica claro no resultado final. No limite, um partido que
obtiver um terço dos votos nacionalmente, mas não for o mais votado em nenhum
distrito, não obterá nenhuma cadeira.
A regra majoritária cria uma estrutura de
incentivos pela qual, durante as eleições, a campanha ocorre apenas nos poucos
distritos onde há equilíbrio na disputa (também chamados de "marginal
districts"). Caso contrário, é como se não houvesse eleição (caso dos
"safe districts"). Aos simpatizantes de partidos minoritários resta
não votar ou votar no candidato que rejeite menos.
Em contraste, sob a representação proporcional, os
partidos minoritários têm incentivos para disputar o voto porque conseguem
obter cadeiras mesmo não sendo os mais votados. Quanto maior a magnitude do
distrito eleitoral, maiores as chances de representação (desconsiderando
efeitos de cláusulas de barreira e a existência de segundo turno). Por isso o
comparecimento às urnas também aumenta.
Assim as regras importam e têm enorme resiliência.
O localismo na eleição americana tem raízes institucionais e se insere
paradoxalmente em um ambiente "desespacializado" e polarizado das
redes.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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