Receio é que uma parcela da população siga poupando por temor de
vir a ser chamada a pagar a conta do aumento da dívida pública
O Banco Central começa a mapear um novo risco à retomada da economia: a política fiscal. O receio é que uma parcela da população siga poupando, abrindo mão de consumir, porque será chamada a pagar a conta do aumento da dívida pública.
A preocupação é o que
os economistas chamam de “equivalência ricardiana”. Essa é uma teoria do economista
David Ricardo, desenvolvida mais tarde por um outro economista, Robert Barro,
que afirma que tentativas do governo de expandir a economia por meio de
déficits públicos são ineficazes. Os contribuintes sabem que, mais tarde, a
despesa terá que ser coberta com o aumento de impostos. Preventivamente, eles
poupam mais.
Para o Banco Central,
esse comportamento “ricardiano” dos indivíduos é, por ora, uma hipótese, a ser
comprovada ou não. O diagnóstico é que o auxílio emergencial e outras
liberações de dinheiro pelo governo, que o BC sempre entendeu como necessárias,
recompuseram a renda da população perdida durante a pandemia. Mas o consumo não
se sustentou da mesma forma e caiu abaixo do que era antes. Essa diferença
entre renda e consumo representa um aumento da poupança.
A grande questão é o que vai acontecer com essa poupança mais adiante. O cenário ideal, disse Campos Neto, é que o auxílio emergencial termine no fim do ano e, provavelmente, seja substituído por um programa permanente de transferência de renda que caiba no teto de gastos. Desse ponto em diante, afirmou, a população começaria a gastar a poupança acumulada durante a pandemia, o que operaria como mais um motor de sustentação da demanda.
Obviamente, para que a poupança vire consumo, será preciso que os indivíduos que acumularam essas reservas passem a gastar. É por isso que o BC está procurando entender a natureza da poupança acumulada pela população.
Kanczuk falou um pouco
sobre o que acontece nos EUA, que para ele é um indicativo do que poderá vir a
ocorrer no Brasil. Lá, a renda da população subiu bem, sustentada pelo
pagamento de auxílios pelo governo. Ainda assim, o consumo caiu. Mais
recentemente, a renda recuou, depois que acabaram as transferências, e o
consumo passou a subir.
Apesar de, no fluxo,
renda e consumo terem se aproximado, o resultado de todo esse processo foi um
aumento do estoque de poupança. Os economistas estão olhando os dados no
detalhe para entender melhor os desdobramentos. Uma conclusão é que os mais
pobres mantiveram o consumo durante a pandemia - na verdade, aumentaram 1,6% em
relação a janeiro passado. Provavelmente, substituíram o consumo de alguns
serviços - cujo acesso ficou mais restrito por causa da pandemia - por outros
bens, como os duráveis. “Vemos alguns mercados, como construção civil e carros
usados, que estão bem exuberantes”, afirma Kanczuk.
Já entre os mais
ricos, o consumo está quase 10% abaixo dos níveis de janeiro. Uma possível
explicação é que, com as medidas de distanciamento social, essas pessoas não
estão tendo acesso aos serviços que gostariam de consumir. Outra hipótese é que
esses indivíduos aumentaram a poupança precaucional porque têm medo do futuro.
Mas medo do quê?
Uma possibilidade é as
pessoas terem poupado mais porque estão receosas de perder o emprego. Kanczuk,
porém, apresentou um gráfico que mostra que o nível de emprego dessa faixa da
população quase se recuperou - está apenas 1,6% abaixo de janeiro. Ou seja,
pode ser um pouco de medo de desemprego, mas parece ser mais do que isso. É aí
que entra a tese do medo do desequilíbrio fiscal.
“Não é a incerteza em relação ao emprego, mas talvez uma questão sobre o que
vai acontecer lá na frente, já que de algum modo a economia não produziu, o
governo aumentou a sua dívida, e isso vai ter que ser pago”, disse Kanczuk.
“Uma possibilidade é que os ricos estão incorporando isso - sendo ricardianos -
sabendo que talvez eles que vão arcar com o aumento do consumo que houve sem
ter produção.”
Uma implicação dessa
conjectura, se ela se mostrar verdadeira, é que um pedaço da poupança acumulada
durante a pandemia não vai voltar para a economia. Esse motor de sustentação da
retomada seria um pouco mais fraco do que se imaginava inicialmente.
O argumento,
certamente, não é unânime. A teoria da equivalência ricardiana é uma contraponto
à tese keynesiana de que, nos momentos em que o setor privado fica com medo e
se retrai, o governo deve se endividar para sustentar a demanda agregada. As
críticas à teoria Ricardo-Barro são conhecidas: ela pressupõe indivíduos
extremamente racionais que poupam em resposta a uma situação meio etérea das
contas fiscais. A evidência empírica sobre o tema é um tanto ambígua, o que
ajuda a alimentar o esporte favorito dos economistas de discordarem entre si.
Juros suficientes?
Em 2%
ao ano, os juros básicos são baixos o suficiente para estimular a economia? O
ex-chefe do Departamento de Pesquisa Econômica (Depep) do BC, Marcelo Kfoury
Muinhos, foi conferir num estudo que acaba de publicar com seu colega no Centro
de Estudos Macroeconômicos da FGV-EESP, Marcelo Fonseca, e com Evandro Schulz,
da B3. Alerta de spoiler: sim, estão baixos o suficiente.
Eles estimam entre 2% e 3% reais ao ano a taxa neutra de longo prazo, usando três metodologias diferentes batizadas com sobrenomes de seus criadores, como a de Laubach-Williams. E calculam quanto os juros deveriam estar seguindo a regra de Taylor: 0,8% reais negativos. Hoje, os juros reais de mercado estão mais ou menos nesse patamar. E, além de juro baixo, há o reforço do “forward guidance” do BC de não o subir em algumas situações em que a regra de Taylor exigiria aperto.
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