O vírus deu uma trégua, mas é um equívoco grave acreditar que a epidemia esteja controlada
Após seis meses de pandemia do novo coronavírus no Brasil, as estatísticas começam a dar certo fôlego. De acordo com os dados do consórcio de veículos de imprensa, nos últimos dias o país tem registrado média inferior a 900 mortes, o que não acontecia desde maio. No sábado, a média móvel de óbitos registrou queda pela primeira vez. Ao mesmo tempo, a taxa de transmissão da doença enfim caiu abaixo de 1, segundo a última estimativa do Imperial College de Londres. Quando fica nesse patamar, o número de infectados cai a cada dia, e o contágio definha naturalmente.
A trégua, acompanhada do alívio na ocupação dos leitos da rede pública, pode transmitir a falsa impressão de que a situação está sob controle. Não está. As 125 mil mortes ainda crescem ao ritmo absurdo de mais de 800 por dia, o equivalente à queda de dois aviões Jumbo.
Mesmo nos estados que registram estabilidade ou queda, a tragédia não para enquanto o vírus não desaparecer. São Paulo já soma mais de 30 mil mortes. No Rio, elas superam 16 mil. No Ceará estão acima de 8 mil. No Pará ultrapassam 6 mil. Todas, é bom lembrar, seriam evitadas se o vírus parasse de circular no habitat hospitaleiro que encontrou no país. Num cenário de imunidade incerta na população, as aglomerações contribuem para acelerar a transmissão e para que o Brasil continue a galgar degraus nessa escalada macabra.
Apesar da gravidade do quadro, muitos agem como se a pandemia tivesse ficado para trás. Na capital fluminense, as praias ficaram lotadas no fim de semana ensolarado. O banho de mar está liberado, mas ficar na areia continua proibido. A prefeitura se revela incapaz de fazer cumprir as regras. Há como que uma resistência cultural a respeitar limites em nome da vida alheia.
A desobediência não é exclusiva do Rio, tampouco das áreas litorâneas. Aglomerações com gente sem máscara e desrespeito ao distanciamento têm se repetido em praias do Nordeste e do litoral paulista. Bares apinhados, bailes funks e festas clandestinas têm desafiado as normas de prevenção à Covid-19 em várias cidades.
O que acontece hoje na Europa deve servir de alerta. Países como Alemanha, Reino Unido, Espanha, Itália e França enfrentam aumento do número de casos após a flexibilização. Embora não com a mesma mortalidade da primeira onda, por lá a segunda já chegou. Na França, onde os dados das últimas semanas lembram o auge, não se descarta novo lockdown.
Não é hora de baixar a guarda, sob o risco de, no mínimo, acelerar o contágio de uma doença terrível. Ou de perpetuar o cenário em que, a cada dois minutos, alguém morre. A pandemia, decididamente, não acabou.
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