Desmatamento da Amazônia é empecilho incontornável à ratificação por França e Alemanha
Em julho do ano passado, Jair Bolsonaro celebrou a conclusão de duas décadas de negociações sobre um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE). Fez o anúncio em Tóquio, com justa euforia, do potencial transformador que o tratado teria nas economias do Brasil e dos sócios regionais. Um ano depois, Bolsonaro vacila sobre o texto final. Corre o risco de perder a única obra diplomática que, até agora, pode ser considerada relevante na sua gestão.
O acordo Mercosul-UE já enfrentou a hesitação de vários governos, mas se consolidou, nas duas margens do Atlântico, em virtude do interesse comum de avançar num sistema de comércio lastreado em normas de consenso. Ganhou impulso na reta final pelas mãos dos ex-presidentes do Brasil, Michel Temer, e da Argentina, Mauricio Macri. Com apenas seis meses no poder, Bolsonaro surpreendeu pela agilidade na definição dos contornos finais.
Na perspectiva de longo prazo, o acordo modela um mercado de 780 milhões de pessoas no Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e mais 28 países europeus, somando 25% da riqueza mundial no conjunto. Impõe uma aposta inequívoca na cooperação internacional, baseada em princípios da democracia liberal, da livre-iniciativa, da proteção ambiental e do multilateralismo.
Não é pouco numa época de fragmentação, marcada pela reedição de nacionalismos fundamentados no unilateralismo populista, de viés racista e xenófobo.
Ficou acertada a abertura de novas fronteiras de negócios em praticamente toda a cadeia de produção e comércio de bens e serviços nos dois continentes, com isenção de tarifas em ritmo progressivo.
Sul-americanos e europeus também se obrigaram à sintonia na modernização da regulação de mercados, de normas setoriais e das regras de propriedade intelectual. Estima-se, em consequência do acordo, a liberação de mais de 90% das exportações agrícolas do Mercosul, grande parte sem tarifas.
O texto está pronto, mas empacou na resistência do governo Bolsonaro em aceitar compromissos ambientais, essenciais para uma economia sustentável. O principal é a exigência europeia de uma política auditável nos resultados sobre a redução dos incêndios e do desmatamento na Amazônia. O impasse se estende à continuidade do Fundo Amazônia, financiado por Alemanha e Noruega. Governos da Alemanha e da França já deixaram claro que a racionalidade na política ambiental é pré-condição para a ratificação do tratado.
Mercosul e a UE gastaram duas décadas para chegar a um consenso sobre essa parceria transformadora. Bolsonaro tem a chance de concretizá-la. A persistência no negacionismo climático e ambiental não o conduzirá a outro lugar senão à margem — ou ao rodapé — reservada aos políticos que se deixam atropelar pela História.
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