Como parte do Ministério Público, a operação não tem como função enfrentar as instituições, como se lhe coubesse um papel de oposição à ordem estabelecida
O procurador da República Deltan Dallagnol comunicou que deixará, por motivos familiares, a chefia da Operação Lava Jato. Nas redes sociais, Dallagnol disse que a operação “vai continuar firme, tem muito a fazer e precisa de suporte”. Horas depois do anúncio, foi divulgada decisão da subprocuradora Maria Caetana Cintra dos Santos, do Conselho Superior do Ministério Público Federal, prorrogando por mais um ano a operação, instaurada em março de 2014.
Ao longo desses seis anos, a Lava Jato realizou feitos realmente prodigiosos, tornando-se a maior ação coordenada de combate à corrupção da história do País. Além dos resultados concretos – em especial, a revelação de muitos esquemas de corrupção, a condenação de poderosos dos setores público e privado e a recuperação de milhões de reais desviados, tanto dos cofres públicos como de muitas empresas –, a operação resgatou a igualdade de todos perante a lei, princípio fundamental do Estado Democrático de Direito. Diante desse panorama, dificilmente se pode exagerar nos méritos da Lava Jato. A operação, de fato, começou a mudar o País.
Todo esse quadro é fruto do trabalho e da dedicação de muitas pessoas – integrantes do Ministério Público, da Polícia Federal, das várias instâncias do Poder Judiciário e também do Legislativo. Não se deve esquecer que o bom trabalho da Lava Jato se apoiou em muitas reformas legislativas aprovadas pelo Congresso na última década. Seria equivocado, portanto, ver os resultados da força-tarefa como obra exclusiva de um grupo de procuradores. Em vez de valorizar a Lava Jato, um enfoque dessa natureza, excessivamente pessoal, reduziria o verdadeiro e mais genuíno alcance da operação.
O reconhecimento dos bons frutos da Lava Jato deve levar também a uma correta apreciação de sua natureza. Por mais que tenha se tornado presença constante na vida nacional nesses anos, a Lava Jato não é uma instituição, cuja missão exigiria sua perpetuidade no tempo. Ela é uma operação do Ministério Público Federal, com início, meio e fim. O sucesso da Lava Jato não consiste, portanto, em se estender indefinidamente ou em aumentar de tamanho. Sua eficácia reside precisamente no estrito cumprimento de sua finalidade, respeitando seus limites funcionais e temporais.
A finalidade da Operação não é, como muitas vezes equivocadamente se disse, renovar a política ou acabar com a corrupção no País. Não é que esses objetivos não sejam desejáveis. A questão é que a força-tarefa da Lava Jato tem outra finalidade, em esfera completamente diferente. Seu objetivo é investigar, apurar e perseguir determinados fatos suspeitos. Por isso, mais do que se estender no tempo, o sucesso da Lava Jato passa por concluir as investigações que foram abertas desde 2014.
Ao longo dos anos, muitas vezes se denunciou o fim iminente da Lava Jato. Por contrariar interesses de poderosos, a operação estaria prestes a ser derrotada por alguma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ou por algum oculto conluio político. Além de não ter se realizado – a operação continua em funcionamento –, tal prognóstico parte de uma perspectiva equivocada. A Lava Jato não é um Poder que deva fazer frente ao Congresso, ao Judiciário ou a quem quer que seja. Como parte do Ministério Público, a operação não tem como função enfrentar as instituições, como se lhe coubesse um papel de oposição à ordem estabelecida. A missão do Ministério Público e, por consequência, da Lava Jato é proteger as instituições, por meio da defesa da ordem jurídica.
Diante das dimensões que a Lava Jato alcançou, não há nada estranho em que o Judiciário tenha, numa ou noutra vez, precisado recordar os limites da lei ou rever práticas adotadas pelos procuradores. É sinal de que a Constituição está vigente e de que há controle sobre a atuação do Estado, incluindo, por óbvio, o Ministério Público. O perigo para a Lava Jato é outro – que ela seja usada para fins políticos. Por isso, o seu grande desafio é concluir as investigações, dentro do estrito âmbito jurídico. O que começou bem deve terminar igualmente bem.
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