Não é tarde para que o governo
federal coordene a compra e a distribuição das vacinas que mais rapidamente
obtiverem registro na Anvisa.
Causou justa perplexidade entre os secretários estaduais de Saúde a ausência da vacina contra a covid-19 desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac – a chamada Coronavac – do cronograma do Programa Nacional de Imunizações (PNI) apresentado recentemente pelo Ministério da Saúde. O fato deve indignar também qualquer cidadão de boa-fé neste país, pois se trata, evidentemente, de mais um reflexo da inaceitável politização da saúde pública que tem sido a tônica da atuação do presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia.
A vacina contra a covid-19, seja ela qual for, venha
de onde vier, é a última esperança para milhões de brasileiros aflitos com os
terríveis números da doença no País: mais de 5 milhões de casos confirmados e
quase 153 mil mortos.
Já as aflições de Jair Bolsonaro são de outra
natureza. O presidente teme os supostos reveses políticos que o sucesso da
“vacina chinesa do Doria”, em referência ao governador de São Paulo, João Doria
(PSDB), possa causar em sua pretensão de ser reeleito em 2022. É desumano e
indigno.
Para qualquer presidente da República minimamente
cioso da responsabilidade do cargo que ocupa, o cálculo político deveria ser a
última de suas preocupações quando o que está em jogo é a vida de milhões de
seus concidadãos.
A vacina contra a covid-19 – ou as vacinas, haja
vista que três ou quatro imunizantes em desenvolvimento têm boas perspectivas
de sucesso – deve ser segura e eficaz. Se estas duas condições estiverem
presentes, não importa a origem, o governo federal deve se empenhar para
garantir que o maior número de brasileiros a receba no menor prazo possível.
Competência para um desafio dessa magnitude não falta às nossas autoridades
sanitárias. O PNI é um virtuoso exemplo. É o maior programa público de
vacinação do mundo. Cerca de 300 milhões de doses contra mais de 30 doenças são
aplicadas anualmente em 36 mil postos de saúde espalhados por todo o território
nacional.
Em carta ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o
Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) pediu que o Ministério não
descarte a Coronavac no PNI de 2021. O programa, tal como foi apresentado,
contempla a vacina em desenvolvimento pela Fiocruz em parceria com a
Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca, entidades com as quais o
governo federal firmou acordo de parceria.
“O Conass, cordialmente, solicita ao Ministério da
Saúde a adoção de medidas necessárias e imediatas para incorporação ao PNI da
vacina para covid-19 produzida pelo Instituto Butantan, em parceria com a
empresa farmacêutica Sinovac Life Science, assim como quaisquer outras vacinas
produzidas e testadas por outras indústrias”, diz trecho da carta ao ministro
Pazuello.
Não se sabe o teor da resposta do ministro da Saúde
ao apelo do Conass, mas tanto melhor para o País se Pazuello levar em
consideração apenas critérios técnicos para incluir uma vacina contra a
covid-19 no PNI, e não algum obscuro comando de natureza política. Há sinais de
que assim será. Em nota, a pasta informou que qualquer vacina que se apresente
segura e eficaz “será uma opção para aquisição”.
Se até agora ficou patente a absoluta falta de
coordenação nacional dos esforços de combate à pandemia, não é tarde para que o
governo federal, por meio do Ministério da Saúde, coordene a compra e
distribuição das vacinas que mais rapidamente obtiverem registro na Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Não é improvável que mais de uma
vacina seja necessária para dar conta da cobertura vacinal de todos os
brasileiros que precisarem ser imunizados contra o novo coronavírus.
A incorporação ao PNI da tão esperada vacina contra
a covid-19 não pode ser pautada por critérios que escapem à ciência e, não
menos importante, à empatia e à compaixão. É do resguardo da saúde da população
brasileira que se trata. Este deve ser o norte indesviável das decisões de
lideranças públicas dignas do nome.
Águas turbulentas – Opinião Folha de S. Paulo
É necessário que decisão que afastou senador seja referendada no plenário do STF
Se o episódio vexaminoso do dinheiro encontrado na cueca de Chico Rodrigues (DEM-RR) indica que a corrupção nacional permanece viva e forte, a decisão do ministro Luís Roberto Barroso de afastar o parlamentar de suas funções sugere o mesmo no que diz respeito a polêmicas jurídicas no Supremo Tribunal Federal.
Por compreensível que seja a
providência diante do escândalo, navegam-se águas turbulentas quando um
ministro do Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática, toma tal medida antes
de uma denúncia formal e sem prisão em flagrante.
Ao afastar o congressista por
90 dias, o magistrado atendeu a pedido da Polícia Federal. A autoridade
policial defendia que fosse decretada a prisão em flagrante ou,
alternativamente, a prisão preventiva e o afastamento da função.
Barroso entendeu que não se
justificava a primeira e levantou dúvidas sobre a base legal da preventiva,
diante de precedentes da corte —a Constituição determina que um parlamentar
pode ser detido apenas em flagrante de crime inafiançável. Restou o
afastamento.
A Procuradoria-Geral da
República requereu que o senador fosse monitorado eletronicamente e impedido de
se comunicar com os demais investigados. “O afastamento de parlamentar do cargo
é medida absolutamente excepcional, por representar restrição ao princípio democrático”,
escreveu o próprio Barroso na decisão.
Previstas no Código de
Processo Penal, medidas cautelares se justificam para evitar que o uso do
mandato atrapalhe as investigações.
São medidas aplicáveis a
“circunstâncias de excepcional gravidade”, como entendeu o STF em 2017 sobre
cautelares aplicadas a detentores de cargo eletivo. Na ocasião, reconheceu-se
que caberia à Casa legislativa afetada deliberar a respeito do afastamento.
Não é de hoje, pois, que o
STF se aventura nessas águas. Em 2016, o ministro Marco Aurélio Mello tirou
Renan Calheiros (MDB-AL) da presidência do Senado —à época, Calheiros era réu.
Quando Aécio Neves (PSDB-MG) foi afastado no ano seguinte, já se via alvo de
denúncia.
Cabe agora encaminhar o caso
de Chico Rodrigues ao plenário da corte, o que, felizmente, já foi
providenciado. Caberá ao colegiado esclarecer os pressupostos de decisões como
a de Barroso. Segurança jurídica faz bem ao combate à corrupção e à democracia.
Pistas da Europa – Opinião | Folha de S. Paulo
Brasil deve aprender com novo estágio da Covid-19; ampliar testagem é necessário
O atual estágio da Covid-19 na Europa, na esteira da reabertura das economias e da flexibilização das restrições sociais, tem apresentado um padrão diferente do observado na etapa inicial da disseminação da doença no continente.
Dados mostram que, embora a
quantidade de novos casos venha crescendo em diversos países, superando o
patamar atingido no início do ano, os números de mortes e de hospitalizações
mantêm-se em níveis bastante abaixo dos registrados meses atrás.
Na França, por exemplo, as
infecções pelo Sars-CoV-2 aumentaram 213% na comparação com o auge da epidemia.
As hospitalizações, todavia, equivalem hoje a 26% do anotado no pico, ao passo
que os óbitos perfazem somente 13%, segundo dados do Instituto Estáter.
O mesmo se verifica em outras
nações severamente afetadas pela primeira passagem da doença, como Espanha,
Itália e Reino Unido. A exceção é Portugal, cuja taxa de mortalidade foi
significativamente menor do que nesses países, mas que agora vê, com o aumento
de casos, um número de internações próximo do auge.
Embora seja cedo para apontar
as causas do fenômeno, algumas hipóteses parecem razoáveis.
A redução de óbitos e
hospitalizações, ademais, pode estar relacionada ao fato de que parte
considerável das pessoas mais suscetíveis a morrer ou ter versões graves da
doença já tenha sido infectada.
Assim se explicaria o padrão
observado nos países citados, onde a maior parte dos óbitos se concentra em
regiões inicialmente poupadas —enquanto nos locais que sofreram mais no começo
as mortes estão abaixo da média geral.
Deve-se considerar ainda que
o conhecimento médico acerca da doença vem evoluindo desde o início da
pandemia, o que também tende a reduzir a taxa de mortalidade e o número de
internações.
Atingido depois pelo novo
coronavírus, o Brasil deveria acompanhar com atenção a tendência europeia, a
fim de se preparar para cenários futuros da doença.
Um passo importante seria
ampliar a política de testagem, de forma a permitir um controle ativo dos
casos, encontrando pessoas que ainda não apresentam sintomas —algo que o país,
até hoje, parece longe de alcançar.
Adiamento das reformas agrava crise nos estados – Opinião | O Globo
Fim da moratória da pandemia exercerá pressão que poderá levar
os caixas estaduais ao colapso
Dentro
de dez semanas acaba a moratória financeira concedida pela União aos estados e
municípios. O alívio no caixa foi significativo, estimado em R$ 125 bilhões.
Permitiu mitigar problemas fiscais na travessia da fase crítica da pandemia.
Até o final deste ano, não se preveem riscos maiores.
Será
ainda mais estreita a margem disponível para manejo dos orçamentos. O motivo:
mais uma vez, adiou-se a decisão política sobre as reformas tributária e
administrativa. O ano de 2021 começará com a mesma desorganização fiscal e
burocrática federativa, num quadro ainda mais degradado pelas sequelas da
pandemia.
É
altíssimo o custo do eterno adiamento das reformas. Alguns estados e municípios
podem degringolar para situações de colapso de caixa. Há exemplos de
dificuldade até para manter as luzes acesas nas repartições públicas. Em
Roraima, na semana passada, duas dezenas de prédios públicos ficaram sem luz
por falta de pagamento.
O
agravamento da crise estadual e municipal seria evitável com mudanças na
estrutura de gastos e receitas. Porém, numa hipótese otimista, apenas no
segundo quadrimestre do próximo ano ocorreriam votações das reformas
necessárias para isso no Congresso e nas assembleias legislativas — e já sob a
influência da pré-campanha para as eleições gerais de 2022.
Mitigar
os efeitos dos desequilíbrios requer alterações nas Constituições da República
e dos estados. São Paulo e Rio Grande do Sul tentam se antecipar com relativo
êxito na negociação entre governos e assembleias. Mas, por enquanto, não há
consenso entre os governos federal, estaduais e o Congresso sobre o que fazer
na legislação tributária do ICMS, principal fonte de arrecadação estadual.
Convive-se
com 27 leis sobre o imposto e uma guerra fiscal permanente. Em 2017 congelou-se
a concessão de novos incentivos a empresas privadas, mas ficou estabelecido
prazo longo de vigência para os já existentes, garantindo sobrevida às
distorções produzidas pela guerra fiscal na atração de investimentos.
O
caso do Estado do Rio é exemplar. No espaço de cinco anos, entre 2010 e 2015,
foram concedidos R$ 150 bilhões a cerca de três mil empresas, de acordo com
dados oficiais. Isso representa um valor aproximado de R$ 185 bilhões,
considerada a inflação do período. É quase o triplo da receita líquida obtida
em 2019, ano sem pandemia.
Apenas
tal número basta para entender a dimensão do desastre causado pela guerra
fiscal deflagrada a partir dos anos 80. Ela só pode ser encerrada num acordo
nacional para reforma do sistema tributário, que, mais uma vez, vem sendo
adiado.
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