segunda-feira, 19 de outubro de 2020

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

A politização da vacina – Opinião | O Estado de S. Paulo

Não é tarde para que o governo federal coordene a compra e a distribuição das vacinas que mais rapidamente obtiverem registro na Anvisa.

Causou justa perplexidade entre os secretários estaduais de Saúde a ausência da vacina contra a covid-19 desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac – a chamada Coronavac – do cronograma do Programa Nacional de Imunizações (PNI) apresentado recentemente pelo Ministério da Saúde. O fato deve indignar também qualquer cidadão de boa-fé neste país, pois se trata, evidentemente, de mais um reflexo da inaceitável politização da saúde pública que tem sido a tônica da atuação do presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia.

A vacina contra a covid-19, seja ela qual for, venha de onde vier, é a última esperança para milhões de brasileiros aflitos com os terríveis números da doença no País: mais de 5 milhões de casos confirmados e quase 153 mil mortos.

Já as aflições de Jair Bolsonaro são de outra natureza. O presidente teme os supostos reveses políticos que o sucesso da “vacina chinesa do Doria”, em referência ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), possa causar em sua pretensão de ser reeleito em 2022. É desumano e indigno.

Para qualquer presidente da República minimamente cioso da responsabilidade do cargo que ocupa, o cálculo político deveria ser a última de suas preocupações quando o que está em jogo é a vida de milhões de seus concidadãos.

A vacina contra a covid-19 – ou as vacinas, haja vista que três ou quatro imunizantes em desenvolvimento têm boas perspectivas de sucesso – deve ser segura e eficaz. Se estas duas condições estiverem presentes, não importa a origem, o governo federal deve se empenhar para garantir que o maior número de brasileiros a receba no menor prazo possível. Competência para um desafio dessa magnitude não falta às nossas autoridades sanitárias. O PNI é um virtuoso exemplo. É o maior programa público de vacinação do mundo. Cerca de 300 milhões de doses contra mais de 30 doenças são aplicadas anualmente em 36 mil postos de saúde espalhados por todo o território nacional.

Em carta ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) pediu que o Ministério não descarte a Coronavac no PNI de 2021. O programa, tal como foi apresentado, contempla a vacina em desenvolvimento pela Fiocruz em parceria com a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca, entidades com as quais o governo federal firmou acordo de parceria.

“O Conass, cordialmente, solicita ao Ministério da Saúde a adoção de medidas necessárias e imediatas para incorporação ao PNI da vacina para covid-19 produzida pelo Instituto Butantan, em parceria com a empresa farmacêutica Sinovac Life Science, assim como quaisquer outras vacinas produzidas e testadas por outras indústrias”, diz trecho da carta ao ministro Pazuello.

Não se sabe o teor da resposta do ministro da Saúde ao apelo do Conass, mas tanto melhor para o País se Pazuello levar em consideração apenas critérios técnicos para incluir uma vacina contra a covid-19 no PNI, e não algum obscuro comando de natureza política. Há sinais de que assim será. Em nota, a pasta informou que qualquer vacina que se apresente segura e eficaz “será uma opção para aquisição”.

Se até agora ficou patente a absoluta falta de coordenação nacional dos esforços de combate à pandemia, não é tarde para que o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, coordene a compra e distribuição das vacinas que mais rapidamente obtiverem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Não é improvável que mais de uma vacina seja necessária para dar conta da cobertura vacinal de todos os brasileiros que precisarem ser imunizados contra o novo coronavírus.

A incorporação ao PNI da tão esperada vacina contra a covid-19 não pode ser pautada por critérios que escapem à ciência e, não menos importante, à empatia e à compaixão. É do resguardo da saúde da população brasileira que se trata. Este deve ser o norte indesviável das decisões de lideranças públicas dignas do nome.

Águas turbulentas – Opinião Folha de S. Paulo

É necessário que decisão que afastou senador seja referendada no plenário do STF

Se o episódio vexaminoso do dinheiro encontrado na cueca de Chico Rodrigues (DEM-RR) indica que a corrupção nacional permanece viva e forte, a decisão do ministro Luís Roberto Barroso de afastar o parlamentar de suas funções sugere o mesmo no que diz respeito a polêmicas jurídicas no Supremo Tribunal Federal.

Por compreensível que seja a providência diante do escândalo, navegam-se águas turbulentas quando um ministro do Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática, toma tal medida antes de uma denúncia formal e sem prisão em flagrante.

Ao afastar o congressista por 90 dias, o magistrado atendeu a pedido da Polícia Federal. A autoridade policial defendia que fosse decretada a prisão em flagrante ou, alternativamente, a prisão preventiva e o afastamento da função.

Barroso entendeu que não se justificava a primeira e levantou dúvidas sobre a base legal da preventiva, diante de precedentes da corte —a Constituição determina que um parlamentar pode ser detido apenas em flagrante de crime inafiançável. Restou o afastamento.

A Procuradoria-Geral da República requereu que o senador fosse monitorado eletronicamente e impedido de se comunicar com os demais investigados. “O afastamento de parlamentar do cargo é medida absolutamente excepcional, por representar restrição ao princípio democrático”, escreveu o próprio Barroso na decisão.

Ainda assim, o magistrado defendeu a medida. “Não podemos enxergar essas ações como aceitáveis. Precisamos continuar no esforço de desnaturalização
das coisas erradas no Brasil.”

Previstas no Código de Processo Penal, medidas cautelares se justificam para evitar que o uso do mandato atrapalhe as investigações.

São medidas aplicáveis a “circunstâncias de excepcional gravidade”, como entendeu o STF em 2017 sobre cautelares aplicadas a detentores de cargo eletivo. Na ocasião, reconheceu-se que caberia à Casa legislativa afetada deliberar a respeito do afastamento.

Não é de hoje, pois, que o STF se aventura nessas águas. Em 2016, o ministro Marco Aurélio Mello tirou Renan Calheiros (MDB-AL) da presidência do Senado —à época, Calheiros era réu. Quando Aécio Neves (PSDB-MG) foi afastado no ano seguinte, já se via alvo de denúncia.

Cabe agora encaminhar o caso de Chico Rodrigues ao plenário da corte, o que, felizmente, já foi providenciado. Caberá ao colegiado esclarecer os pressupostos de decisões como a de Barroso. Segurança jurídica faz bem ao combate à corrupção e à democracia.

Pistas da Europa – Opinião | Folha de S. Paulo

Brasil deve aprender com novo estágio da Covid-19; ampliar testagem é necessário

atual estágio da Covid-19 na Europa, na esteira da reabertura das economias e da flexibilização das restrições sociais, tem apresentado um padrão diferente do observado na etapa inicial da disseminação da doença no continente.

Dados mostram que, embora a quantidade de novos casos venha crescendo em diversos países, superando o patamar atingido no início do ano, os números de mortes e de hospitalizações mantêm-se em níveis bastante abaixo dos registrados meses atrás.

Na França, por exemplo, as infecções pelo Sars-CoV-2 aumentaram 213% na comparação com o auge da epidemia. As hospitalizações, todavia, equivalem hoje a 26% do anotado no pico, ao passo que os óbitos perfazem somente 13%, segundo dados do Instituto Estáter.

O mesmo se verifica em outras nações severamente afetadas pela primeira passagem da doença, como Espanha, Itália e Reino Unido. A exceção é Portugal, cuja taxa de mortalidade foi significativamente menor do que nesses países, mas que agora vê, com o aumento de casos, um número de internações próximo do auge.

Embora seja cedo para apontar as causas do fenômeno, algumas hipóteses parecem razoáveis.

Em primeiro lugar, dado que a capacidade de testagem e rastreamento nos países europeus cresceu sensivelmente nos últimos meses, muitos casos que passariam despercebidos no início —sobretudo de jovens, menos vulneráveis ao agravamento da doença— agora engrossam as estatísticas.

A redução de óbitos e hospitalizações, ademais, pode estar relacionada ao fato de que parte considerável das pessoas mais suscetíveis a morrer ou ter versões graves da doença já tenha sido infectada.

Assim se explicaria o padrão observado nos países citados, onde a maior parte dos óbitos se concentra em regiões inicialmente poupadas —enquanto nos locais que sofreram mais no começo as mortes estão abaixo da média geral.

Deve-se considerar ainda que o conhecimento médico acerca da doença vem evoluindo desde o início da pandemia, o que também tende a reduzir a taxa de mortalidade e o número de internações.

Atingido depois pelo novo coronavírus, o Brasil deveria acompanhar com atenção a tendência europeia, a fim de se preparar para cenários futuros da doença.

Um passo importante seria ampliar a política de testagem, de forma a permitir um controle ativo dos casos, encontrando pessoas que ainda não apresentam sintomas —algo que o país, até hoje, parece longe de alcançar.

Adiamento das reformas agrava crise nos estados – Opinião | O Globo

Fim da moratória da pandemia exercerá pressão que poderá levar os caixas estaduais ao colapso

Dentro de dez semanas acaba a moratória financeira concedida pela União aos estados e municípios. O alívio no caixa foi significativo, estimado em R$ 125 bilhões. Permitiu mitigar problemas fiscais na travessia da fase crítica da pandemia. Até o final deste ano, não se preveem riscos maiores.

Os problemas começam em 1º de janeiro do ano que vem. O cenário provável é uma queda contínua na arrecadação tributária, ainda no ciclo recessivo, combinada a aumento de gastos em áreas essenciais, como saúde, educação, segurança pública e assistência social.

Será ainda mais estreita a margem disponível para manejo dos orçamentos. O motivo: mais uma vez, adiou-se a decisão política sobre as reformas tributária e administrativa. O ano de 2021 começará com a mesma desorganização fiscal e burocrática federativa, num quadro ainda mais degradado pelas sequelas da pandemia.

É altíssimo o custo do eterno adiamento das reformas. Alguns estados e municípios podem degringolar para situações de colapso de caixa. Há exemplos de dificuldade até para manter as luzes acesas nas repartições públicas. Em Roraima, na semana passada, duas dezenas de prédios públicos ficaram sem luz por falta de pagamento.

O agravamento da crise estadual e municipal seria evitável com mudanças na estrutura de gastos e receitas. Porém, numa hipótese otimista, apenas no segundo quadrimestre do próximo ano ocorreriam votações das reformas necessárias para isso no Congresso e nas assembleias legislativas — e já sob a influência da pré-campanha para as eleições gerais de 2022.

Mitigar os efeitos dos desequilíbrios requer alterações nas Constituições da República e dos estados. São Paulo e Rio Grande do Sul tentam se antecipar com relativo êxito na negociação entre governos e assembleias. Mas, por enquanto, não há consenso entre os governos federal, estaduais e o Congresso sobre o que fazer na legislação tributária do ICMS, principal fonte de arrecadação estadual.

Convive-se com 27 leis sobre o imposto e uma guerra fiscal permanente. Em 2017 congelou-se a concessão de novos incentivos a empresas privadas, mas ficou estabelecido prazo longo de vigência para os já existentes, garantindo sobrevida às distorções produzidas pela guerra fiscal na atração de investimentos.

O caso do Estado do Rio é exemplar. No espaço de cinco anos, entre 2010 e 2015, foram concedidos R$ 150 bilhões a cerca de três mil empresas, de acordo com dados oficiais. Isso representa um valor aproximado de R$ 185 bilhões, considerada a inflação do período. É quase o triplo da receita líquida obtida em 2019, ano sem pandemia.

Apenas tal número basta para entender a dimensão do desastre causado pela guerra fiscal deflagrada a partir dos anos 80. Ela só pode ser encerrada num acordo nacional para reforma do sistema tributário, que, mais uma vez, vem sendo adiado.

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