Restrições do sistema político são responsáveis por
mudanças de comportamento de Bolsonaro
Assim como é possível a algumas pessoas fazer
acrobacias que envolvem flexões e contorções extremas no corpo, também é
possível observar contorcionismos interpretativos de fenômenos políticos.
É surpreendente que, mesmo quando os atores políticos
passam a se comportar de acordo com as expectativas geradas pelos incentivos e
restrições institucionais, muitos analistas ainda têm imensas dificuldades de
reconhecer as virtudes do sistema político brasileiro. Preferem, por exemplo,
creditar aos supostos “defeitos” do sistema o enquadramento comportamental do
presidente Jair Bolsonaro. Fazem contorcionismo
interpretativo ao anunciar a fragilização das organizações de controle como
decorrente de supostos “acordos”, como se estas fossem indefesas ou passivas às
ações dos políticos.
Inebriado pela vitória surpreendente e pelos
compromissos antissistema de sua campanha à Presidência, Bolsonaro inaugurou
seu governo nadando contra a corrente das regras do jogo político. Ignorou as
restrições institucionais do presidencialismo multipartidário e se negou a
montar uma coalizão, preferindo governar na condição de minoria.
Baseado em extensa pesquisa empírica produzida pela
ciência política brasileira, era esperado que essa estratégia governativa
gerasse problemas crescentes de governabilidade. Não deu outra! O governo
colheu derrotas sucessivas tanto no Legislativo como no Judiciário. Além do
mais, acirrou animosidades e se engajou em conflitos abertos com outros Poderes.
Os custos decorrentes dessa estratégia adversarial de
governar tornaram-se proibitivos para Bolsonaro, que viu sua popularidade
derreter e aumentarem os riscos de interrupção precoce de seu governo.
Independentemente das motivações do presidente (sobreviver, proteger seus
filhos de investigações, obter sucesso no Legislativo e no Judiciário etc.), o
governo fez, mesmo que tardiamente, consideráveis ajustes e inflexões em seu
comportamento.
Ainda sem formar uma coalizão claramente majoritária e
estável, bem como sem explicitar quais os termos de troca dessas alianças,
Bolsonaro decidiu jogar o jogo do presidencialismo multipartidário. O
presidente vem se aproximando dos partidos do Centrão, que têm conferido
estabilidade e previsibilidade à democracia brasileira ao participar de quase
todas as coalizões dos governos pós-redemocratização.
Bolsonaro também diminuiu o tom do seu discurso
belicoso e autoritário que alimentava as conexões identitárias com seu
eleitorado mais reacionário. As instituições políticas e de controle, portanto,
têm sido capazes de constranger as ações do governo ao ponto do discurso
confrontacional de Bolsonaro perder autenticidade. Ou seja, o presidente, ao se
domesticar, se rendeu à “política tradicional”. A democracia venceu!
O Brasil, em termos relativos, tem vivido o período
mais pacífico, longevo e estável da história de sua democracia. Atores
políticos e agentes econômicos que apresentam comportamento desviante têm sido
objeto de investigações e sofrido punições judiciais expressivas. Como exemplo,
o ex-vice-líder do governo no Senado, senador Chico Rodrigues, acaba de ser
flagrado pela Polícia Federal com dinheiro escondido na cueca e teve seu
mandato suspenso por 90 dias pelo Supremo Tribunal Federal.
O viés de pessimismo decorrente do comportamento
inicial de Bolsonaro parece ser a raiz do mal-estar que, a despeito das
virtudes do presidencialismo multipartidário, tem atormentado a maioria das
análises políticas sobre a capacidade das instituições brasileiras de
constrangê-lo.
* Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)
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