Aumento brutal na necessidade de rolar a dívida em títulos está criando uma situação perigosa de solvência de curto prazo
Os
últimos dados econômicos divulgados para o mês de setembro consolidam, de forma
inquestionável, a recuperação da economia brasileira. Para efeito de ilustração
desta afirmação vejam ao lado a evolução do índice IBC-Br que mimetiza por
antecipação a evolução do PIB no Brasil. Mas não é apenas o IBC-Br que mostra
uma recuperação em V com uma pequena inclinação, mas outros indicadores
relevantes. Cito outros, como a evolução da arrecadação de impostos pela
Receita Federal, consumo aparente de bens industriais monitorado pelo Ipea,
vendas ao comércio restrito e ampliado e atividade na indústria que apontam que
entraremos em 2021 com a economia de volta ao seu leito normal do ciclo
econômico.
Estamos
agora no início de um processo analítico de olhar para os estragos de longo
prazo que vão aparecer nas economias nacionais, e mais importante ainda, de
como supera-los para voltar a normalidade perdida com a pandemia. Neste sentido
é muito bem-vindo o texto produzido por técnicos do FMI no “October 2020 Fiscal
Monitor - Fiscal Policy for Unprecedented Crisis” sobre o que chamaram de “Road
Map” para o futuro próximo. Nele seus autores defendem que a política
anticíclica tomada pela grande maioria dos governos respondeu com eficiência
aos desafios que a crise trouxe para as economias nacionais por eles analisadas.
Citam entre elas as seguintes;
Medidas
de saúde pública para conter a expansão da pandemia;
Benefícios
extraordinários para os afetados pelo desemprego
Transferências
de recursos dos Tesouros nacionais para indivíduos dos grupos de risco;
Suporte
de liquidez para empresas mais atingidas pela recessão.
O
trabalho menciona ainda a importância do apoio dado pelos bancos centrais das
economias desenvolvidas, e em algumas poucas economias emergentes, via compra
maciça de títulos públicos que criaram um espaço para juros muito baixos e para
os governos aumentarem seu endividamento. Uma linguagem pouco comum para os que
conhecem a história desta instituição de crédito. Em outras palavras, a
política anticíclica no Brasil tem todo o apoio do FMI, aliás como mostrou
também a presidente desta instituição em entrevista recente citada pelo
jornalista Celso Ming em sua coluna no Estadão.
Os
autores concluem suas reflexões com o que chamaram de “Um roteiro fiscal para a
recuperação econômica” e do qual retirei as seguintes observações;
Para
as economias em que o controle da pandemia (EUA e Europa por exemplo) ainda não
chegou a seu final os governos não devem retirar muito cedo seu apoio fiscal;
Entretanto
eles devem ser mais seletivos na escolha dos beneficiários de suas ações;
Mas
nos países em que o desemprego ainda é muito relevante devem continuar a
fortalecer as empresas mais vulneráveis em seu processo de reabertura.
O
Brasil, pelos critérios dos autores deste trabalho, está à frente da grande
maioria das outras economias em função da conjugação de uma ação fiscal
eficiente do governo (Tesouro e Banco Central) e de governos estaduais e
municipais na gestão do chamado isolamento social. Apesar de ao custo de um
número de mortes ainda muito elevado, foi levado adiante o processo de
normalização da atividade econômica com exceção de alguns setores do mercado de
serviços.
Certamente
antes da virada do ano a atividade econômica no Brasil já deve ter voltado ao
nível anterior a pandemia, mas com sequelas importantes na infraestrutura
econômica do país. A mais grave, e que já chegou ao dia a dia da economia, é o
alto endividamento do governo criado pelo esforço fiscal brutal no combate aos
efeitos da covid-19.
Neste
aspecto, o Brasil talvez seja o caso mais crítico dado o tamanho do mercado
interno de títulos públicos que o coloca como ponto fora da curva entre as
economias emergentes. Em um primeiro instante esta característica foi
fundamental para o sucesso das ações fiscais do governo, mas agora com o
aumento brutal na necessidade de rolar sua dívida em títulos está criando uma
situação perigosa de solvência de curto prazo.
Em
função dos volumes de rolagem da dívida mobiliária, os investidores estão
começando a exigir juros mais elevados alegando os riscos envolvidos pela
dívida de curto prazo e superior a 100% do PIB. Embora outros países
desenvolvidos tenham aumentado também o seu nível de endividamento, no caso de
uma economia emergente como a brasileira, as tensões que este endividamento
provoca sobre o mercado é de outra natureza.
Não
acredito que no curto prazo possa ocorrer uma perda de funcionalidade do
mercado de títulos públicos no Brasil, mas certamente o custo de rolagem da
dívida criada adicionalmente em 2020 vai aumentar pela pressão dos
intermediários na sua colocação junto a investidores. Como dizem os operadores
financeiros, “isto é da regra do jogo” nos mercados financeiros. Mas o governo
terá que mostrar uma agenda para tratar da estabilização desta dívida com um
plano de ação adicional à já longeva promessa de reformas estruturais.
E
para obter credibilidade terá que envolver a criação de novos impostos, a serem
cobrados dos maiores beneficiários de seu esforça fiscal, mesmo que por um
finito espaço de tempo, como aumento do IR da pessoa física e estender sua
cobrança no pagamento de dividendos pelas empresas.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
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