Será
bom se o número de partidos cair, mas não é irrelevante saber quais
sobreviverão
Na
coluna passada, argumentei que o fortalecimento do centrão pode
estar se dando em um momento decisivo para a democracia brasileira: a provável
redução do número de partidos causada pela proibição de coligações em eleições
proporcionais.
Os
partidos fisiológicos podem estar mais fortes justamente no momento em que a
sobrevivência de cada legenda deve depender mais de seu tamanho atual.
Matéria
de João Pedro Pitombo e Guilherme Garcia publicada
na Folha de sexta-feira mostrou
que o risco disso acontecer é real.
Segundo
a análise de Pitombo e Garcia, as migrações de vereadores eleitos em 2016 para
outros partidos em 2020 mostram que os
candidatos já estão fazendo escolhas na nova estrutura de
incentivos. Isto é, escolheram candidatar-se por partidos maiores, com
perspectivas melhores de sobreviverem à cláusula de barreira e conquistar
fatias maiores do financiamento eleitoral.
Era
exatamente isso que os cientistas políticos esperavam que acontecesse. As
coligações partidárias em eleições proporcionais sempre foram vistas como uma
das causas do grande número de partidos existente no Brasil. Partidos pequenos
podiam se aproveitar da votação dos partidos maiores para eleger deputados.
As consequências disso podem ter sido importantes: imaginem o que teriam sido os governos do PSDB e do PT se suas bancadas fossem maiores e a necessidade de cooptar aliados fisiológicos fosse menor.
A reforma da legislação aprovada pelo Congresso foi portanto, inequivocamente,
uma boa ideia.
Mas
ela pode ter menos efeitos positivos, ou pode demorar mais do que se esperava
para gerar efeitos positivos, porque as outras ideias que venceram na política
brasileira nos últimos cinco anos foram todas muito ruins.
Nos
últimos anos, a
onda antipolítica causou grandes perdas para os partidos mais
consistentes —que aceitam passar longos períodos na oposição, sem acesso à
máquina pública— como o PT e o PSDB. Eles chegam nesse início de processo de
consolidação fracos.
Nos
dados da matéria
da Folha, vê-se que o PT
se manteve estável desde 2016, mas 2016 foi sua pior eleição em muitos anos. O
PSDB perdeu 11% de seus vereadores desde as últimas eleições. A única exceção
entre os grandes partidos é o DEM, que cresceu 52%, um número muito expressivo.
Mas
alguns dos partidos que mais receberam novos candidatos a vereador foram,
segundo a reportagem, os partidos de centro-direita que sempre venderam seu
apoio a qualquer governo.
O
PP cresceu 30%, o PSD de Kassab também cresceu, o MDB permaneceu estável mesmo
depois do desempenho ridículo de 2018. É impossível, inclusive, descartar a
hipótese de que o DEM tenha crescido, em parte, porque voltou a se aproximar do
perfil centrão.
No
geral, isso não era o que torcíamos que acontecesse quando o número de partidos
caísse.
Queríamos
que PT e PSDB não precisassem mais comprar o PP, ou que PT e PSDB fossem
substituídos por partidos melhores. Não queríamos que o PP substituísse o PT ou
o PSDB como grande legenda.
Será
bom se o número de partidos cair. Mas não é irrelevante saber quais deles
sobreviverão. Se a tendência atual persistir, restarão de pé justamente os que
tiveram mais disposição para se vender. A antipolítica pode ter matado a
renovação que a política tradicional poderia ter trazido.
*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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