Demorou
simplesmente três dias para o Brasil começar a acordar para o risco do caos
social no Estado
Enquanto
o Brasil assiste há quatro dias ao eletrizante desfecho das
eleições dos Estados Unidos, um apagão parou o Amapá e
jogou um Estado inteiro no escuro e caos provocado pela corte do fornecimento
de luz.
A
gravidade do problema, em meio à pandemia do coronavírus,
se choca com a indiferença do resto do País com o drama vivido pelos
amapaenses, que já dura o mesmo tempo da contagem dos votos da disputa
entre Donald Trump e Joe Biden.
Demorou
simplesmente três dias para o Brasil começar a acordar para o risco do caos
social no Amapá, com todas as consequências que a falta de abastecimento de
energia gera para a população, inclusive de segurança. Imagine quatro dias sem
luz, água (o fornecimento depende de energia), combustível nos postos e
hospitais abastecidos por geradores...
O
pedido de SOS teve mais eco na bolha das redes sociais do que nas autoridades.
O governo federal montou um gabinete de crise, mas pouco se viu dos ministros
de Bolsonaro (tão ávidos a divulgar “entregas” nas suas
redes sociais), como mensagens de apoio ou no mínimo de solidariedade às
famílias do Amapá. Silêncio geral. Até porque o problema é de tamanha
complexidade que ninguém quis se expor, já sabendo que a solução poderia
demorar muito mais tempo – como de fato está ocorrendo.
Quem
quer se meter em confusão? Bom mesmo é dar publicidade e anunciar as tais entregas
paroquiais. Bolsonaro fez um breve comentário durante uma live e com uma
postagem da Casa Civil, informando a criação do gabinete de crise.
É
bem provável que muito menos teria sido feito, não fosse o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre, do Amapá, somada à dependência do governo em relação ao
Congresso para acelerar a agenda de votações e sair dessa buraqueira fiscal em
que se encontra. Alcolumbre foi avisado pelo ministro Bento
Albuquerque de que a crise era grave durante uma sessão de
votação de vetos.
À
coluna, técnicos experientes do setor afirmam que não se vê nada da mesma
dimensão desde a noite de 10 de novembro de 2009, quando houve falha nas linhas
de transmissão de Itaipu. A queda brusca na demanda de energia levou ao
desligamento automático das 20 turbinas da usina, deixando quase 90 milhões de
pessoas sem energia elétrica e afetando 18 Estados – quatro deles ficaram
completamente sem fornecimento de eletricidade. A diferença entre o blecaute de
11 anos atrás e o de agora é que o fornecimento de energia foi normalizado em
poucas horas.
O
Amapá está conectado ao Sistema Interligado Nacional (a rede de linhas de
transmissão), desde 2015, por meio de uma única linha. O investimento é
privado: antes, era da espanhola Isolux, que entrou em recuperação judicial,
atualmente Gemini Energy, controlada por fundos de investimentos. São quase 1,2
mil quilômetros de linhas entre Manaus (AM) e Macapá (AP).
Foi na subestação dessa empresa que ocorreu a explosão.
Dos
três transformadores, um estava em manutenção, um explodiu e o outro foi
danificado pelo fogo. Se a operação para purificar o óleo desse equipamento der
certo, 70% do Estado poderá ter o fornecimento de energia retomado neste fim de
semana – e o governo não descarta a possibilidade de racionamento de energia
até que a situação possa ser normalizada. Se der errado, ainda pode levar mais
uma semana a chegada de um novo equipamento desse porte até o Estado, já que
ele precisa ser desmontado, transportado por avião ou balsas e montado
novamente. Uma operação de guerra terá que ser lançada.
Embora
o incidente tenha ocorrido numa empresa privada, o Amapá tem outros problemas
quando se trata de energia, algo que expõe uma série de fragilidades que criam
um ciclo vicioso muito além da falta de investimentos.
A
distribuidora CEA, do governo do Estado, responsável pelos postes, nem sequer
tem contrato de concessão: opera em um regime precário, à espera de uma
privatização, e vive em dificuldades financeiras há pelo menos 15 anos.
Em
2007, a Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) recomendou ao Ministério de Minas e Energia que cassasse a concessão e
a licitasse para um novo operador – o governo negou. Até hoje a União tenta organizar um leilão para privatizar a
companhia.
É emblemático que a Amazônia receba tanta atenção e uma crise desse tamanho passe ao largo. Se o apagão fosse em qualquer outro lugar do “sul” do Brasil, estaríamos vivendo um quadro de comoção nacional. Mas o Amapá está sendo tratado como periferia e o Brasil está de costas para ela. Seguimos acompanhando as eleições norte-americanas.
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