sábado, 7 de novembro de 2020

Andreza Matais - Caminhos cruzados

- O Estado de S. Paulo

Há quatro anos os jornais anunciavam a vitória de Donald Trump como o primeiro presidente não político da história americana. Na mesma edição, a imprensa noticiava o que, olhando para trás, abriu caminho para o Brasil eleger, dois anos depois, uma réplica do empresário conservador americano. O Conselho de Ética da Câmara havia rejeitado, por 11 votos a favor e 1 contra, um processo contra Jair Bolsonaro por apologia à tortura.

Foi a ex-presidente Dilma Rousseff quem, curiosamente, uniu os triunfos de Bolsonaro e de Trump na mesma edição. O brasileiro foi parar no Conselho de Ética por ter dedicado seu voto no processo de impeachment ao coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem nominou como “o terror de Dilma Rousseff”, no que foi entendido como apologia ao crime de tortura.

O único voto contra Bolsonaro na sessão que garantiu a ele liberdade para usar sua metralhadora giratória em nome da “livre expressão” foi dado pelo então deputado Odorico Monteiro (CE). Tivesse o colegiado votado pela continuidade do processo, Bolsonaro e Trump não se cruzariam dois anos depois como presidentes. O Conselho de Ética é o primeiro passo para a cassação do mandato de um parlamentar e seu parecer nesse sentido nunca foi reformado pelo plenário. A cassação implica perda de direitos políticos, o que teria tirado Bolsonaro da eleição de 2018.

Ao retratar a vitória de Trump, os jornais também lembraram das apostas que se mostraram erradas. Assim como agora, Bolsonaro e seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, declararam apoio à reeleição do presidente americano e foram criticados por isso. À época, o então chanceler José Serra teve que se explicar por ter apoiado Hillary Clinton.

O tucano tinha dito, durante a campanha, que a vitória de Trump seria um “pesadelo” e apelou “a todos que querem o bem do mundo” que votassem em Hillary. Para sair da saia-justa, Serra recorreu a uma metáfora futebolística, no melhor estilo Bolsonaro – “treino é treino e jogo é jogo” –, numa tentativa de zerar o placar diante do resultado. O então presidente Michel Temer foi mais cauteloso e optou por dizer que a vitória de Trump não mudaria “em nada” as relações do Brasil com os EUA. Assim, não teve que se explicar depois.

O discurso de vitória de Trump, que os jornais trouxeram na íntegra, mostrava mais uma coincidência com o que o Brasil viveria mais à frente. Na ocasião, o recémeleito presidente americano destacou o apoio dos militares a seu governo.

 “Mais de 200 generais e almirantes declararam apoio à nossa campanha, e eles são pessoas especiais. É uma honra”, discursou. Ele não tinha nem tomado posse ainda para o seu primeiro mandato, quando externou a sua intenção de se reeleger.

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