sábado, 7 de novembro de 2020

Marcus Pestana* - Os ventos que sopram do norte

Quase tudo já foi dito sobre as eleições americanas. Escrevo ainda no calor da apuração depois da postagem de mensagens dos dois candidatos à presidência dos EUA no Twitter que dão a dimensão do impasse que assistiremos nos próximos dias. Donald Trump lançou em letras garrafais: “Parem a contagem!”. Em direção oposta o democrata Joe Biden afirmou: “Todos os votos devem ser contados”. Mas, as primeiras iniciativas de judicialização das eleições demonstram que o conflito político se arrastará por dias, semanas.

Nunca houve na história americana um presidente que confrontasse de tal forma as instituições, tradições e práticas democráticas. Trump não tem nenhuma contenção na instrumentalização do poder e não reconhece legitimidade em seus adversários e críticos. Foi apontado por estudo da Universidade de Cornell como o maior disseminador de desinformação sobre a COVID e tornou prática cotidiana a promoção de fakenews “chapa branca” contra adversários.

A vitória de Biden tem dimensão histórica e universal em dois sentidos. O primeiro é o fortalecimento da democracia nos EUA e no mundo, revertendo a onda que se convencionou chamar de “populismo autoritário”. A postura agressiva e antidemocrática de Trump ecoa e estimula a radicalização de setores de extrema-direita em escala global. A eleição de Biden vai permitir que ele se alinhe a estadistas como Angela Merkel e Emmanuel Macron na defesa dos fundamentos do sistema democrático, do valor da tolerância e do diálogo, e do compromisso com a liberdade em todas as suas facetas. O segundo sentido é, em substituição ao unilateralismo do “América first”, a retomada do multilateralismo e a valorização da integração global para o enfrentamento conjunto dos desafios sociais, econômicos, sanitários, ambientais, militares e de combate ao terrorismo. Acordos, como o de Paris em favor do desenvolvimento sustentável, serão revalorizados e organismos multilaterais receberão o prestígio que merecem.

Aqui no Brasil temos muito a aprender e mudar. Dissolver o clima de contaminação ideológica das teorias da conspiração reinantes. Não há plano macabro e secreto da China de implantar o comunismo em escala global através da vacina, do 5G, ou seja lá do que for. Não há uma armação diabólica e um fio condutor ligando a nova constituição do Chile, a vitória da esquerda na Bolívia, o moribundo governo Maduro e o fracasso peronista na Argentina. É preciso urgentemente recuperar as melhores tradições diplomáticas brasileiras que sempre advogaram uma postura independente, profissionalizada, pragmática e sem alinhamentos automáticos. Não deveríamos ter saído da ideologização introduzida pelo petismo de um “terceiro-mundismo equivocado” para o extremo oposto de um alinhamento político e ideológico absoluto e sem resultados com Donald Trump.

Por último, o processo eleitoral jogou luzes sobre aspectos em que o Brasil está muito melhor que os EUA. Isto é uma verdadeira vacina contra o nosso suposto “complexo de vira-lata” ou de “pária internacional”. Temos um sistema público de saúde (SUS) mais bem resolvido que o americano, apesar de nosso investimento público por habitante ao ano ser nove vezes menor do que nos EUA (US$ 500 dólares aqui e US$ 4.500 lá). E, sem dúvida, o nosso sistema de eleição do presidente da República e de apuração é muito superior.             

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB- MG)   

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