Estragon:
O que a gente faz agora?
Vladimir:
Não sei.
Estragon:
Vamos embora.
Vladimir:
A gente não pode.
Estragon:
Por quê?
Vladimir:
Estamos esperando Godot.
Estragon:
É mesmo.
Escrita
no pós-Segunda Guerra Mundial, a peça do irlandês Samuel Beckett, que empresta
o título à coluna, é uma obra-prima do chamado Teatro do Absurdo. Faz sucesso
no mundo desde 1953, quando estreou em Paris. No Brasil, teve duas montagens
amadoras na década de 1950, até o estrondoso sucesso de sua montagem
profissional, no Teatro TBC, em São Paulo, sob direção de Flávio Rangel, em
1969, com Cacilda Becker no papel de Estragon e seu marido, Walmor Chagas, no
de Vladimir. O contexto político da época, em plena vigência do Ato
Institucional nº 5 do regime militar, e o fato de Cacilda Becker sofrer um
derrame cerebral em pleno palco, numa apresentação para estudantes em São
Carlos, agonizando por 38 dias, deram à peça um lugar na história da cultura
brasileira.
A peça somente faz sentido quando serve de analogia para um contexto de incertezas. Sua essência é a espera. É a desconstrução completa do teatro, pois não tem história, as falas não são coesas e nada acontece do ponto de vista da ação dos personagens. Tudo parece obscuro e pessimista, mas provoca uma profunda reflexão sobre a vida e a sua incessante busca por respostas. O palco vazio desconstrói o mundo ao redor, os diálogos repetitivos reproduzem as relações humanas e a inação dos personagens mostra a paralisia que a incerteza provoca. Na espera, nada acontece.
A
fábula de Becker tem tudo a ver com o momento que o Brasil está vivendo. Os
resultados das eleições municipais, em vez de dissiparem as incertezas,
aumentaram-nas. Em 9 de outubro passado, a pouco mais um mês das eleições,
segundo a pesquisa Exame-Ideia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) seria
reeleito para um segundo mandato. No primeiro turno, teria 30% das intenções de
voto, contra 18% do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e 10% do
ex-ministro da Justiça Sergio Moro (sem partido).
A
pesquisa mostrava, ainda, Ciro Gomes (PDT), com 9%, Luciano Huck (sem partido),
com 5%, e João Doria (PSDB), com 4%. A pesquisa também apontava Luiz Henrique
Mandetta (DEM) com 3%, Marina Silva (Rede) com 2%, João Amoedo (Novo) com 1%, e
Flávio Dino (PCdoB) com 1%. Brancos e nulos somavam 9%. Os que “não sabiam”
eram 10%. Em uma projeção de segundo turno, Bolsonaro venceria Moro com 41% dos
votos contra 35% do ex-ministro. Em relação a Lula, Bolsonaro teria 43%, contra
33% do petista. Numa disputa contra Doria, a vantagem do Bolsonaro seria ainda
maior: 42% das intenções de voto contra 21%.
O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que opera a mesma estratégia de 2018,
viu o PT ser volatilizado completamente nas capitais, a ponto de não eleger
nenhum vereador em Rio Branco (AC). A nova estrela da esquerda é Guilherme
Boulos, do PSol, que não tem o passivo de corrupção petista. O novo líder
paulista também é um problema para Ciro Gomes, do PDT, por outros motivos:
fecha-lhe a porta do Sudeste.
Restam
as duas incógnitas que justificam a analogia: Sergio Moro, que acabou de
assinar um contrato milionário de trabalho com um escritório que presta
serviços de consultoria à Odebrecht, e o apresentador Luciano Huck, que tem até
junho para decidir se mantém seu contrato, também milionário, com a TV Globo.
São nomes que podem aglutinar forças de centrodireita e/ou centroesquerda para
construir uma alternativa de poder, mas somente serão candidatos se as
pesquisas mostrarem que têm chances de vencer. Enquanto isso, o diálogo de
nossos personagens reproduz as incertezas:
Vladimir:
Amanhã nos enforcamos. (Pausa)
A
não ser que Godot venha.
Estragon:
E se vier?/
Vladimir:
Estaremos salvos.
Estragon:
Então, vamos?
Vladimir:
Sim, vamos lá.
(Eles
não se mexem)
A cortina se fecha.
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