Instituições
de saúde onde pobres e negros só entram como serviçais não devem ser
financiadas com dinheiro público
Falso
positivo é o registro de um fenômeno que parece ser, mas não é. Quando se trata
de testes, refere-se a uma alteração ou doença que não existe. Na política,
indica relações causais errôneas, das quais derivam ações supostamente
favoráveis. Falsos positivos não são mentiras, expressam limites na
coincidência entre essência e aparência. Resultado laboratorial positivo não é
necessariamente diagnóstico, depende. Para que um teste seja bom, seu valor
preditivo deve ser alto, não basta detectar os positivos; é necessário
discernir os negativos.
Atos governamentais são falsos positivos quando proposições supostamente favoráveis à maioria iludem. Como convicções, interesses, crenças e vontades se misturam nas formulações de programas públicos, a identificação de políticas falsas nem sempre é imediata. Enquanto as descaradamente espúrias, como a ameaça de trocar ministro da Saúde quando o número de casos e óbitos aumenta, são perceptíveis, as retóricas do tipo “não tem outra saída” passam como verídicas.
Esse
é o caso das Parcerias Público-Privadas (PPPs), anunciadas como solução para
reorganizar o SUS. Seus defensores consideram que a substituição de
instituições públicas — morosas e vazadas por más práticas — por organizações
privadas produtivas e incorruptíveis pouparia os orçamentos governamentais e
modernizaria o SUS. PPP é uma denominação propositalmente vaga. Ficam na terra,
os contratos do público com o privado, o repasse regular de recursos
financeiros do primeiro para o segundo. Vão para o ar, os nunca atingidos
choque de gestão, eficiência e probidade.
Como
se trata do que já é (nunca faltou no Brasil transferência do fundo público da
saúde para o setor privado), a parceria refere-se a um plus, uma ajeitadinha para incluir
novos itens nos acordos vigentes. A verificação da veracidade dos efeitos
benéficos das PPPs comprovaria uma proporção elevada de falsos positivos. A
transferência de verbas e atribuições públicas para o setor privado, sob
premissas equivocadas sobre a origem dos problemas de saúde, não reduz
desigualdades, embora pareça promissora à expansão do empresariamento.
A
Covid-19 revelou com nitidez que a privação e o racismo abreviam a vida.
Portanto, o país precisa de uma outra PPP, a Pró-Pobres e Pretos, que
compreenda quais são os riscos à saúde e expresse objetivamente a destinação
dos recursos públicos para poupar vidas e assegurar longevidade. Instituições
de saúde em que pobres e negros mal põem os pés, só entram como serviçais, não
devem ser financiadas com orçamentos públicos diretos ou indiretos.
Atender
com dignidade, realizar diagnósticos precoces e tratamentos adequados para os
segmentos populacionais que moram em favelas e periferias — sem a segregação do
hospital para rico ou do SUS — é parâmetro obrigatório para qualquer PPP
civilizada. Em 2019, a presença de estudantes de Medicina pretos e pardos ou de
famílias de baixa renda era muito maior nas faculdades públicas (36%) do que
nas privadas (23%). As cotas sociais e raciais no ensino superior público,
isoladamente, são insuficientes para alterar o padrão desigual no acesso à
formação médica.
Muitos
prefeitos eleitos incluíram PPPs em suas plataformas. O recrudescimento do
número de casos e mortes pelo novo coronavírus tem sido encarado como janela de
oportunidades. Empresários passaram a falar em “digitalização do SUS” e
telemedicina, misturando cartão, prontuário, pacote de informações eletrônicas
e consultas remotas. O combo de produtos promete tirar o SUS da indigência
analógica. Mas a PPP verdadeira, duradoura e sustentável seria a vinculação do
SUS a centros computacionais universitários, financiados por entes públicos e
empresas privadas inovadoras.
Sem abordar a redução das disparidades sociais estruturais, as PPPs não se coadunam com o SUS. Trabalhar junto, com a participação ativa dos segmentos populacionais vulneráveis, é desejável, desde que a meta seja a prevenção de sofrimentos evitáveis. Muito difícil dar certo, mas conta a favor ser uma política autêntica. Prioridades imediatas para a saúde são um Natal sem fome e sem mais perdas de familiares e amigos. Uma PPP verdadeiro positivo tem como tarefas a ampliação do auxílio de renda, o apoio, sem vacilação, ao controle da transmissão da pandemia e a reorganização de serviços de saúde para salvar os vivos.
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