Passam
as eleições, e o presidente nada faz, enquanto inflação, dívida e juros
disparam o alarme para crise
Encerrado
o período das eleições, quando se esperava que o Planalto pusesse para tramitar
reformas necessárias para afastar as incertezas crescentes sobre o futuro da
economia, o presidente Jair Bolsonaro dá prioridade a projetos de importância
secundária, em mais uma prova de que não enxerga a crise que está em gestação.
Ao
preferir que o Congresso trate do programa habitacional Casa Verde e Amarela e
do projeto BR do Mar, sobre regras para a navegação marítima, Bolsonaro
desperdiça as últimas semanas do ano de trabalho no Congresso com iniciativas
secundárias dos ministros do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e da
Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, num gesto político de apoio ao grupo no
governo que defende o desrespeito ao teto dos gastos. Alega-se que é para
desobstruir a pauta, mas nada se fala das reformas.
Bolsonaro
parece não se interessar pelo descolamento dos juros de longo prazo — na faixa
dos 8%, o quádruplo da taxa básica do Banco Central —, um termômetro da falta
de confiança na solvência de um país cuja dívida pública acaba de ultrapassar
os 90% do PIB, sem que haja ainda qualquer ação para contê-la com apoio firme
do Planalto. O presidente não sabe, ou não quer saber, que a alta dos preços no
mercado atacadista, acima dos 20%, começa a contaminar a inflação que ataca o
bolso da população (ainda abaixo da meta de 4% definida para este ano, mas que
cedo ou tarde deverá ser rompida).
Acelerar as reformas é a melhor forma de conter o tsunami que já se vislumbra no horizonte. Para piorar, o descaso de Bolsonaro acontece no mesmo momento em que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, garante haver na Casa cerca de 320 votos para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária — são necessários no mínimo 308 —, sem considerar a base parlamentar do governo. Como diz Maia, mesmo que mudanças em impostos, por suas características, não entrem em vigor imediatamente, assim que o Congresso chancelá-las, os mercados reagirão positivamente, e as pressões sobre juros e preços tenderão a retroceder.
É
ainda mais inaceitável porque há outros projetos prontos no Congresso, caso da
PEC Emergencial, que estabelece regras que automaticamente colocam em ação
medidas de contenção de despesas. É um projeto essencial para cumprir funções
do teto de gastos, hoje a única âncora fiscal, sob bombardeio de ministros
diante da complacência do presidente Bolsonaro. Ou da PEC dos Fundos Públicos,
que traria algum fôlego fiscal no curto prazo.
Havendo
vontade política e sensibilidade dos parlamentares, como aparentemente existe,
tudo pode ser negociado no Congresso para que se aprovem essas reformas, ou
qualquer outra, com a rapidez que o momento exige. É inacreditável a falta de
senso de realidade com que o presidente abriu o expediente no Planalto na segunda-feira.
De cara piorou as expectativas para a segunda metade de seu governo. Faltam
conselheiros para ao menos dizer a Bolsonaro que ainda há algum tempo para
corrigir o erro, mas não muito.
Governo
federal precisa agir contra quadrilhas que aterrorizam cidades – Opinião | O
Globo
Bolsonaro
foi eleito prometendo conter a violência. Pelo que se viu em Criciúma (SC), a
situação só piorou
A
imagem de reféns sentados sobre a faixa de pedestres, formando uma barreira
humana para impedir a ação da polícia durante um assalto a banco em Criciúma
(SC), é o próprio retrato do Estado. Impotente, humilhado, capturado pelo crime
organizado. A cena é uma das muitas que chocam no episódio que, entre a noite
de segunda e a madrugada de terça, levou terror à cidade catarinense.
A
quadrilha, formada por ao menos 30 integrantes, armados com fuzis capazes de
derrubar um helicóptero, assaltou uma agência do Banco do Brasil. Os caixas
foram arrombados com explosivos, parte deles deixada no local. Para dificultar
a reação da polícia, bandidos incendiaram um caminhão dentro de um túnel na
BR-101, atacaram um batalhão da PM e fizeram reféns.
Houve
intensa troca de tiros, um policial e um vigilante foram baleados, mas os
bandidos conseguiram escapar. Carros de luxo usados na ação foram abandonados
num milharal em Nova Veneza, cidade vizinha. A polícia conseguiu prender quatro
pessoas, nenhuma ligada ao bando. Elas apenas recolheram parte dos RS 800 mil
abandonados nas ruas pelos bandidos em fuga.
Faz
uma semana, ação semelhante levou terror a Araraquara, no interior de São
Paulo. Na madrugada do dia 24, cerca de 20 bandidos armados tentaram assaltar
agências da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, mas foram
surpreendidos pela polícia.
Não
é de hoje que essas ações criminosas, que estão sendo chamadas de “novo
cangaço”, ocorrem em pequenas cidades de diferentes regiões do país, sem que as
autoridades de segurança esbocem reação. Ao contrário, o despreparo costuma ser
constrangedor, quando não trágico. Há dois anos, um assalto a agências
bancárias no município de Milagres, no Ceará, terminou com 14 pessoas mortas
durante intervenção da polícia: seis eram reféns, sendo cinco de uma mesma
família.
Já
passou da hora de o governo Bolsonaro cuidar da questão, agindo de forma
integrada com as forças de segurança estaduais. Não custa lembrar que Bolsonaro
foi eleito com a promessa de combater a violência. Nada entregou até agora,
além de fazer o possível para flexibilizar posse e porte de arma, medida que só
contribui para agravá-la.
Sozinhos,
os estados não têm estrutura para lidar com quadrilhas poderosas, fortemente
armadas, que agem nacionalmente, com alto grau de especialização. É evidente
que essas ações são planejadas e podem ser rastreadas pelos sistemas de
inteligência. Mas é preciso agir antes, para que os assaltos sejam frustrados.
Caso contrário, a cada episódio como o de Criciúma, as quadrilhas se
capitalizam e se credenciam para mais e mais ações. A próxima é só questão de
tempo.
Voo cego e sem rumo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Mais
inquietante que a piora das contas públicas é o fato de nenhum roteiro de
reconstrução econômica ter sido apresentado
Mais inquietante que a piora das contas públicas, confirmada mês a mês por dados oficiais, é a indefinição do governo quanto a políticas de ajuste e de sustentação do crescimento. Ninguém consertará em um ano uma dívida igual ou superior a 95% do Produto Interno Bruto (PIB), mas nenhum roteiro de reconstrução econômica foi apresentado pela administração federal. É inútil cobrar do presidente qualquer esclarecimento, porque o assunto, como quase todos os temas ligados ao ato de governar, está obviamente fora de suas preocupações. Mas quem dará uma resposta, se nem sobre o Orçamento de 2021 há um acordo mínimo entre as autoridades?
Com
ou sem estratégia governamental, os fatos seguem seu curso, e em quatro semanas
acabará um dos anos mais desastrosos da história brasileira. O ano terminará,
mas seus efeitos continuarão – e tanto piores, provavelmente, quanto menos
planejado for o rumo da política econômica. Os números já
divulgados dão ideia de como será o balanço de 2020.
Estropiadas
pela pandemia, as contas públicas acumularam déficit de R$ 919,46 bilhões de
janeiro a outubro, valor correspondente a 15,37% do PIB. Em um ano o rombo
quase triplicou. Nos dez meses correspondentes de 2019 o déficit geral, de R$
337,56 bilhões, havia sido equivalente a 5,65% do PIB, segundo relatório do
Banco Central (BC).
Esse
resultado resume o balanço mais amplo dos três níveis de governo e das
estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás. A soma inclui o custo dos juros. O
valor geral corresponde, no jargão das finanças públicas, ao saldo nominal.
Excluídos
os juros, obtém-se o resultado primário, correspondente ao saldo de receitas e
despesas não financeiras, típicas do dia a dia da administração. O saldo
primário do setor público, no período de janeiro a outubro, foi um déficit de
R$ 632,97 bilhões, soma equivalente a 10,58% do PIB. O governo central acumulou
nos dez meses saldo negativo de R$ 680,21 bilhões.
Dois
dos componentes desse conjunto, o Tesouro Nacional e o BC, foram superavitários,
mas o resultado final foi determinado pelo déficit de R$ 252,38 bilhões do
INSS. O resultado primário do setor público foi ainda atenuado pelos saldos
positivos de governos subnacionais e de estatais.
O
buraco das contas públicas foi ocasionado, neste ano, principalmente pelas
ações de enfrentamento da pandemia e por medidas de apoio à atividade e às
famílias mais vulneráveis. Pelas contas do Tesouro, até outubro as ações de
resposta à pandemia consumiram R$ 468,9 bilhões. Além dos gastos extraordinários
e das facilidades fiscais, em parte já revertidas, também a baixa da atividade
afetou a receita pública.
Pelos
cálculos do Tesouro, de janeiro a outubro o governo central arrecadou R$ 1,17
trilhão, 11,2% menos que no ano anterior, descontada a inflação. A receita de
outubro, de R$ 153,57 bilhões, foi, no entanto, 9,6% maior que a de um ano
antes. A receita fiscal tem refletido a reação econômica iniciada em maio,
depois da forte contração de março-abril. Com a retomada parcial da atividade,
a arrecadação tributária tem melhorado. Além disso, impostos e contribuições
diferidos no pior momento já estão sendo regularizados. Mas a recuperação, na
atividade e no recolhimento de tributos, é ainda parcial.
O
PIB deste ano deve ser 4,5% menor que o de 2019, segundo as projeções correntes
no mercado e no setor público. O déficit primário do governo central deve
chegar a R$ 844,3 bilhões, ou 11,7% do PIB, pelas novas estimativas do Tesouro.
A dívida bruta do governo geral atingiu em outubro R$ 6,57 trilhões, 90,7% do PIB,
com alta de 0,2 ponto porcentual em um mês. Em dezembro deverá estar em 95% do
PIB, segundo cálculos correntes, e nos anos seguintes poderá superar 100%.
O
financiamento dessa dívida poderá ficar complicado, se aumentar a insegurança
em relação à política fiscal, e toda a economia será prejudicada. É urgente uma
sinalização do governo a respeito de como pretende cuidar de suas contas e da
atividade a partir de 2021. Já faz muita falta um plano de voo.
Recuo necessário – Opinião | O Estado de S. Paulo
Não
havia alternativa ao governo do Estado a não ser retroceder na flexibilização
Por
razões que vão desde o esgotamento físico e emocional após nove meses de
privações ao entusiasmo diante da iminência de aprovação de uma vacina segura e
eficaz contra a covid-19, nas últimas semanas um grande número de pessoas
passou a relaxar nos cuidados para evitar a disseminação do novo coronavírus. O
resultado dessa imprudência não haveria de ser outro: vê-se que a pandemia está
mais ativa do que nunca.
O
número de casos de infecção pelo novo coronavírus deu um salto e a ocupação dos
leitos de UTI em hospitais de várias cidades do País voltou a atingir patamares
muito preocupantes. A média diária de mortes em decorrência da doença é cerca
de metade do que foi no momento mais agudo da pandemia, mas a curva é
ascendente após um período de estabilidade.
O
Imperial College, de Londres, referência no estudo da evolução da covid-19 no
mundo, revelou que a taxa de transmissão (Rt) do novo coronavírus no País está
em 1,02. Uma Rt acima de 1,0 significa que o vírus circula sem controle.
De
acordo com a SP Covid-19 Info Tracker, plataforma desenvolvida por cientistas
da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
para realizar projeções e monitorar a pandemia em tempo real em São Paulo, em
15 das 22 regiões do Estado a Rt está acima da média nacional, indicando uma
propagação acelerada do novo coronavírus.
Em
Campinas, por exemplo, a taxa de transmissão está em 1,74. Isto significa que
cada 100 pessoas infectadas transmitem o vírus para outras 174. Em Sorocaba e
Taubaté a situação é ainda mais grave. Nessas regiões, a Rt é de 1,77 e 1,80,
respectivamente. É alarmante.
Diante
de um quadro desses, não havia alternativa ao governo do Estado a não ser
recuar na flexibilização das medidas do Plano São Paulo. No dia 30 passado, o
governador João Doria (PSDB) anunciou que todo o Estado regrediu para a fase
amarela, um pouco mais restritiva do que a fase verde, até então em vigor.
Pelas novas regras, nenhum estabelecimento comercial ou educacional será
fechado; por ora, haverá somente restrições de capacidade e horário de
atendimento.
A
medida é prudente e serve como alerta para a população de que, ao contrário do
que muitos possam pensar, a pandemia não acabou. O recuo de fase era
absolutamente necessário diante do aumento do número de casos de covid-19 no
Estado. Entre a comunidade médica e científica, não parece haver discussão
quanto ao acerto da medida, mas sim em relação ao momento em que foi tomada. Há
quem defenda que o governo estadual deveria ter regredido nas medidas de
flexibilização um pouco mais cedo, ainda antes das eleições, e há os que pensam
que o momento correto é este.
Na
capital paulista, o prefeito reeleito, Bruno Covas (PSDB), ainda não divulgou a
extensão das medidas da fase amarela do Plano São Paulo que valerão na cidade.
A situação da pandemia na cidade de São Paulo, de acordo com as autoridades
municipais, está “sob controle”. Auxiliares do prefeito Bruno Covas enfatizam
que a capital paulista não está entre os 62 municípios de São Paulo com
transmissão mais acelerada do patógeno. Nos próximos dias, é esperado que a
Prefeitura divulgue as eventuais alterações no plano de contenção da covid-19
no Município.
Há
poucos dias, o epidemiologista Wanderson de Oliveira, ex-secretário de
Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, disse à Coluna do Estadão que teme uma
“explosão” de casos de covid-19 no País no início de 2021. O temor se deve às
festas de fim de ano, época em que familiares e amigos confraternizam, muitas
vezes sem máscara e sem o devido distanciamento. É o alerta de um dos mais
experientes profissionais que estiveram à frente do combate à pandemia no
Brasil.
Não
se pode baixar a guarda. O novo coronavírus já matou mais de 173 mil pessoas no
País e continua fora de controle. Considerando-se que a vacina ainda não é uma
realidade, é dever das autoridades e dos cidadãos levar a pandemia muito a
sério.
Uma lei autoritária – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
nova lei de segurança da França viola direitos fundamentais de forma inaudita
A sociedade francesa está com medo de uma nova onda de ataques terroristas, medo da violência policial contra negros e imigrantes, medo de perder direitos que são a essência da república, ora sob ameaça sem precedentes. É bastante significativo que as multidões que ocupam as ruas de Paris e de outras cidades da França há dias gritem o tempo todo o lema nacional francês: “Liberdade! Igualdade! Fraternidade!”.
Foi
assim na tarde do sábado passado, quando milhares de manifestantes se reuniram
no entorno da Torre Eiffel para mais um dia de protestos contra a brutal
agressão a Michel Zecler, um produtor musical negro surrado com cassetetes por
três policiais brancos, no dia 21 passado. Zecler correu da polícia por não
estar usando a máscara de proteção contra a covid-19, o que está sujeito à
multa em Paris.
Os
manifestantes também protestavam contra uma lei recentemente aprovada pela
Assembleia Nacional que, sob pretexto de combater a escalada de ataques
terroristas na França, põe em risco a liberdade de expressão e a liberdade de
imprensa no país, além de favorecer que policiais como os que agrediram
brutalmente Zecler não sejam punidos.
Três
pontos da chamada Lei de Segurança Global, que ainda precisa passar pelo
Senado, representam risco concreto às liberdades civis na França.
Um
deles autoriza a prisão por um ano – além da aplicação de uma multa de 45 mil
euros (R$ 287,7 mil) – de qualquer cidadão que divulgue de forma
“mal-intencionada” imagens de policiais em ação. O que haverá de caracterizar a
“má intenção”? Não se sabe. Trata-se, pois, de uma lacuna inconcebível em um
Estado Democrático de Direito.
Isso
significa que, caso o Senado aprove a Lei de Segurança Global sem alterações,
todas as forças de segurança da França terão enorme margem para decidir quando imagens
da atuação de seus agentes vieram a público de forma “mal-intencionada” e
quando essa divulgação causou “prejuízos mentais” aos agentes. Temendo a prisão
e a aplicação de tão vultosa multa, é lícito inferir que muitos cidadãos,
incluindo os jornalistas, passarão a ter receio de filmar e expor as ações
violentas da polícia francesa. E é sabido que muitos casos passariam ao largo
do conhecimento público – e, portanto, da punição – não fossem as filmagens das
câmeras de TV e dos celulares.
Ora,
não será impedindo que a sociedade tome conhecimento dos casos de violência
policial que essa chaga, longe de ser um problema restrito à França, será
superada. Decerto não será por meio do acobertamento dos agentes que abusam do
monopólio do emprego da violência que os casos de agressão policial vão
diminuir.
De
acordo com a Lei de Segurança Global, a polícia também pode usar imagens de
câmeras de segurança sem autorização judicial e empregar drones com tecnologia
de reconhecimento facial para monitorar a participação dos cidadãos em
manifestações públicas. “(A Lei de
Segurança Global) é a reversão de nosso modelo social a um que
poderíamos nomear, sem exageros, de Estado policial”, disse ao jornal The Washington Post o advogado
Vincent Brengarth, autoridade em Direito Penal e liberdades civis da república
francesa.
O
teor autoritário da nova lei não passou despercebido por órgãos ligados à
defesa dos direitos humanos. Em nota, a Comissão Consultiva Nacional de
Direitos Humanos afirmou que “nenhuma das instituições encarregadas da defesa
dos direitos fundamentais da França foi consultada” sobre o texto. Por sua vez,
o Conselho de Direitos Humanos da ONU também criticou a lei francesa por conter
“violações significativas dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”.
De
2012 para cá, houve 250 mortes causadas por ataques terroristas na França. Dia
após dia, sucedem-se os casos de violência policial. Não se pode minimizar a
gravidade desses problemas, que merecem a devida resposta do Estado. Mas essa
resposta não pode ser uma violência em si mesma, isto é, não pode colocar em
risco direitos e liberdades fundamentais quando a sociedade não se mostra
disposta a abrir mão deles.
Ruína amazônica – Opinião | Folha de S. Paulo
Área
de desmate, maior em 12 anos, atesta desastre de Bolsonaro, Salles e Mourão
O
governo federal coreografou com esmero o anúncio do que todos sabiam seria má
notícia: a
área desmatada na Amazônia voltou a crescer, chegou a 11.088 km² e
ultrapassou o temido limiar de 20% de floresta destruída. O esforço de relações
públicas, porém, não afasta a péssima repercussão da estatística.
Em
lugar de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente responsável por políticas de
preservação (em realidade, seu desmonte), a encenação no Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) foi comandada por Hamilton Mourão, vice-presidente
da República à frente do Conselho da Amazônia.
Se
Salles não pode aparecer, o mais correto seria o presidente Jair Bolsonaro
demiti-lo.
O
general passeou pelas dependências do Inpe e celebrou o apuro tecnológico da
instituição na montagem e testes do satélite Amazônia-1. O afago não deixa de
ser um progresso, para um governo cujo chefe já acusou pesquisadores de sabotar
a imagem do Brasil.
Mourão
disse não haver o que comemorar nos 11.088 km² de devastação. De fato, o dado
representa quase o triplo da meta no Plano Nacional de Mudança Climática (3.925
km²) e, na prática, inviabiliza compromisso que o país assumiu no Acordo de
Paris.
Trata-se
da maior cifra desde 2008, a segunda com cinco dígitos sob Bolsonaro e a
primeira inteiramente em sua alçada, já que abarca o período de agosto de 2019
a julho de 2020. Não há como isentar-se de responsabilidade.
Muito
menos se sustenta a narrativa delirante que nega haver destruição, atribuindo a
reação doméstica e internacional a uma conspiração contra o Brasil. Enquanto o
general faz mesuras, Salles avança com a missão de manietar Ibama e ICMBio, que
teriam meios, experiência e atribuição legal para proteger a floresta.
Assim
como no fracasso do combate à pandemia com um general no Ministério da Saúde,
Bolsonaro põe as Forças Armadas na linha de tiro transferindo-lhes a contenção
da crise amazônica.
Mourão
sustenta que a situação melhora, agarrando-se à desaceleração do incremento no
desmate (em 2019 a taxa havia sido de 34%), mas não existe cortina de fumaça
retórica capaz de camuflar um polígono de 110 km por 100 km.
Com
esses 11.088 km² de floresta derrubada, cruza-se o limite inferior da margem
projetada por cientistas (20% a 25%) para que o bioma entre em colapso, com a
interrupção da turbina de umidade que o sustenta e garante chuvas para a maior
parte do setor agrícola.
No
ritmo atual, tal desastre pode tornar-se a grande e nefasta obra de Bolsonaro
na Amazônia.
Riscos em trilhões – Opinião Folha de S. Paulo
Escalada
de ações contra a União ameaça o Tesouro e demanda reforma tributária
O
acelerado aumento da dívida pública federal para R$ 4,6 trilhões até outubro
—um salto de 9,2% em relação ao final de 2019— já denota insegurança sobre a
capacidade de financiamento do governo, mas as ameaças às contas públicas não
se limitam ao desequilíbrio já estimado no Orçamento federal.
O
relatório de riscos fiscais recém-divulgado pelo Tesouro Nacional aponta
eventos, como propostas em tramitação no Congresso e processos em análise no
Judiciário, que podem resultar em despesas adicionais de R$ 4,8 trilhões.
Nesse
montante se destaca a escalada de ações judiciais contra a União —que já somam
R$ 2,4 trilhões, dos quais cerca
de R$ 800 bilhões considerados como perdas prováveis para o erário.
A
principal fonte de crescimento dos passivos são as ações de natureza
tributária. As derrotas na Justiça têm levado ao crescimento dos gastos com os
chamados precatórios, que passaram de R$ 19,8 bilhões em 2014 pra R$ 54 bilhões
estimados no Orçamento deste ano.
Esses
desembolsos são classificados como despesa primária (não financeira) e estão,
assim, sujeitos ao teto geral inscrito na Constituição. Trata-se, pois, de mais
um fator a reduzir o espaço disponível para os pagamentos essenciais de custeio
e investimento, asfixiando a gestão da máquina pública.
Mais
detalhadamente, o relatório aponta que 74% dos riscos judiciais de natureza
tributária decorrem de demandas relacionadas ao PIS e à Cofins, contribuições
federais que incidem sobre o faturamento das empresas. Sua legislação
intrincada, assim como a do ICMS estadual, constitui a principal fonte de
controvérsia com o fisco.
O
problema piorou recentemente com a conclusão de julgamento no Supremo Tribunal
Federal que considerou ilegal a inclusão do ICMS na base de cálculo para o
recolhimento do PIS e da Cofins.
Embora
acertada no mérito, e com modulação ainda pendente, a decisão do STF traz
enorme incerteza para a arrecadação de impostos, pois abre precedente contra a
prática recorrente nas regras brasileiras de incidência em cascata dos muitos
tributos. Tudo sugere que nesse ambiente o passivo da União só aumentará
adiante.
Já
havia urgência de uma reforma tributária para simplificar drasticamente as
regras da tributação indireta no país, com foco na redução de custos e estímulo
à produtividade. A crescente insegurança jurídica e orçamentária é mais um
motivo para que o Congresso Nacional finalmente trate do tema.
Combate contra a pandemia esbarra em plano de vacinação – Opinião | Valor Econômico
Em
um momento em que vários países já delinearam como vão vacinar sua população, o
governo brasileiro faz mistério
A
pandemia do novo coronavírus apresentou desafios não vistos há muitos anos em
todas as partes do mundo. No Brasil, o enfrentamento da brutal covid-19 está
sendo ainda mais difícil em consequência da negligência e ineficiência do
governo. Em um momento em que vários países já delinearam como vão vacinar sua
população assim que os primeiros imunizantes eficazes sejam aprovados, o
governo brasileiro faz mistério. O Ministério da Saúde informou que só vai
apresentar um plano quando uma ou mais vacinas forem registradas na Anvisa.
Reportagem
do Financial Times publicada pelo Valor (25/11)
descreve as enormes instalações frigoríficas que estão surgindo nos EUA, com
equipamentos de baixíssima temperatura enfileirados, projetados para receber a
vacina contra a covid-19. A escala de prioridades para aplicação do imunizante
já foi estabelecida. Centenas de empresas, de transportadoras a fornecedores de
refrigeradores e produtos médicos, disputam contratos locais e federais para
entregar as doses, fornecer agulhas, seringas, frascos de vidro e equipamentos
de proteção para as pessoas que aplicarão as vacinas. Tudo isso ocorre apesar
de o país viver uma das transições presidenciais mais tumultuadas já vistas.
O
governo britânico afirmou que a distribuição da vacina deve começar horas após
a liberação da primeira vacina a ser aprovada pela agência regulatória. Os
médicos foram recomendados a ficar de prontidão caso isso ocorra antes do
Natal.
No
Brasil, o Tribunal de Contas da União (TCU) havia, em agosto, dado prazo ao
governo para apresentar o plano de imunização até a terceira semana de
novembro. Mas isso não aconteceu, e o Planalto recorreu da decisão por meio da
advocacia-Geral da União (AGU). Embora o Brasil participe dos testes de pelo
menos cinco vacinas, pouco se sabe sobre distribuição para Estados e
municípios, quantidade de agulhas, seringas, necessidade de implantação de
instalações e equipamentos de armazenagem e escala de prioridades entre as
várias faixas da população.
O
Ministério da Saúde tem apenas um rascunho; e antecipou que não há vacina para
toda a população. Anteriormente havia falado em um primeiro momento imunizar o
grupo de risco formado por profissionais da saúde, idosos e pessoas com
comorbidades. Mas os governadores estão ansiosos para conhecerem os detalhes da
logística do plano - que seria o ponto forte do ministro da Saúde, Eduardo
Pazuello -, como as regras de distribuição e de armazenagem do imunizante, além
da disponibilidade de equipamentos e o treinamento das equipes de aplicação.
Fabricantes
de equipamentos médicos ouvidos pelo Valor informam que não receberam nenhuma encomenda
ou sinalização por parte de governos ou do SUS, o que pode trazer dificuldades
em caso de aumento repentino na demanda. A imunização contra o coronavírus terá
que ser feita em paralelo com as campanhas usuais de vacinação, que distribuem
cerca de 300 milhões de doses todos os anos.
Não
é esse o único ponto falho do governo. Há o caso inexplicável dos quase 7
milhões de testes de covid-19 “esquecidos” em um galpão no aeroporto de
Guarulhos (SP) e já perto do vencimento. O estoque, que poderá ser inutilizado,
é maior que os 5 milhões de exames PCR aplicados pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) durante toda a pandemia. Há informações de que outros lotes enfrentam o
mesmo problema elevando a 15 milhões o número de testes comprometidos. A saída
improvisada foi pedir uma ampliação do prazo de validade, que foi rejeitada
pela Anvisa em outras ocasiões.
Na
contramão do recomendável em um momento do recrudescimento do número de casos e
provável segunda onda da pandemia, o Ministério da Saúde acaba de cortar o financiamento
de 3.265 Centros de Atendimento para Enfrentamento à covid-19, instituídos em
maio a pedido das secretarias municipais de Saúde para ampliar o acesso ao
atendimento precoce das pessoas com sintomas. Outros 130 Centros Comunitários
de Referência para Enfrentamento da covid-19 também serão afetados. Sem verbas
federais, boa parte dessas unidades de saúde corre o risco de fechar, já que
dificilmente os municípios terão dinheiro para mantê-los.
Tudo indica que o Ministério da Saúde receia desgostar o presidente Jair Bolsonaro, que minimiza a importância da covid-19, discute a eficiência das vacinas e já chamou de “maricas” quem adota medidas de isolamento.
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