MP
do Casa Verde e Amarela é objetivo de curto prazo
A
decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de retomar o sistema de
bandeiras tarifárias turvou os planos do governo de criar uma agenda positiva imediatamente
após o segundo turno das eleições municipais. Não que o efeito da decisão seja
dos mais desastrosos, mas não ajuda a estratégia desenhada no Executivo para
tentar garantir um reposicionamento rápido e efetivo do presidente Jair
Bolsonaro depois do retumbante fracasso da maioria dos seus aliados na disputa
que se encerrou no domingo.
Prefeitos de cidades importantes que enfrentaram o discurso negacionista emanado do terceiro andar do Palácio do Planalto se deram bem nas urnas. O presidente está com claras dificuldades para manter o auxílio emergencial em R$ 300 a partir de janeiro ou criar um novo programa social e, agora, vê-se obrigado a responder ao eleitor de classe média por que as contas de luz podem voltar a subir.
Os
danos gerados pelo apagão ocorrido no Amapá ao grupo do presidente do
Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM), relembraram às autoridades os
potenciais prejuízos eleitorais que problemas de gestão no setor elétrico podem
causar. A notícia positiva, por outro lado, é que a área técnica de um setor
sensibilíssimo da administração federal teve autonomia suficiente para
responder da forma que achou mais adequada à constatação de que os níveis dos
reservatórios de usinas hidrelétricas estão chegando a níveis baixos demais.
No
entanto, sabe-se no governo que esse tipo de sinal de reaquecimento do consumo
não construirá sozinho um ambiente favorável aos negócios, se o Executivo não
conseguir uma maior organização da base para destravar a agenda legislativa.
Na
oposição, é crescente a visão de que o Congresso facilitou demais a vida do
presidente quando deu a Bolsonaro a chance de ter a palavra final em relação ao
valor do auxílio emergencial, que acabou ficando em R$ 600 na etapa mais aguda
da crise. Dificilmente ela deixará caminho livre para se preservar o
instrumento, agora em R$ 300 ou futuramente um pouco menos, que foi fundamental
para a sustentação da popularidade do presidente, mesmo em tempos de crise.
Pouco
avançaram as negociações da equipe econômica com o senador Márcio Bittar
(MDB-AC), relator do Orçamento e da PEC Emergencial, cuja caneta pode
viabilizar a criação do novo programa social que traria a assinatura de
Bolsonaro. Resta ao governo neste momento, portanto, impedir que caduquem as
medidas provisórias deixadas até agora de lado tanto pela cúpula do Congresso
quanto pelos partidos aliados.
O
objetivo de curtíssimo prazo passou a ser a aprovação da MP que viabiliza a
criação do Programa Casa Verde e Amarela, que além de ser um mecanismo capaz de
gerar investimentos e empregos, pode melhorar a relação do governo federal com
os novos prefeitos. O programa foi criado para atacar um déficit habitacional
que acumula um passivo de 6,5 milhões de moradias. Nas contas do Executivo, se
projetado o crescimento da população até 2030, a expectativa é que o desafio de
produção de unidades habitacionais seja de mais 1,23 milhão de casas por ano.
Para
dificultar a situação dos articuladores do governo, Bolsonaro tornou-se alvo
preferencial dos prefeitos que já começam a sinalizar novas medidas de
contenção do coronavírus.
Avalia-se,
na oposição e em partidos de centro-direita, que muitos dos candidatos que
adotaram uma postura mais restritiva em relação à pandemia conquistaram a
confiança do eleitor e apostarão nessa estratégia durante os próximos meses.
Não se sabe ainda como isso irá reverberar no Parlamento.
Os
prefeitos reeleitos de São Paulo e Belo Horizonte, Bruno Covas (PSDB) e
Alexandre Kalil (PSD), são dois exemplos. No PT, é simbólico o caso do
ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República,
Edinho Silva, reeleito para a Prefeitura de Araraquara, no interior paulista.
Edinho
fez parte da cúpula de um partido que segue sofrendo rejeição de parcela
considerável dos eleitores. Também integrou o núcleo central de uma
administração que enfrentou grave crise política e um processo de impeachment.
Não pode se apresentar como representante da nova política ou antissistema.
Teria tudo para ser levado pela onda antipetista, mas aproveitou a maré
favorável aos gestores que conseguiram, a despeito da resistência bolsonarista
a medidas restritivas, reduzir os danos provocados pelo vírus em suas cidades.
Araraquara
tem um baixo nível de letalidade por covid-19 entre os grandes municípios de
São Paulo. Mas, mesmo assim, a prefeitura local foi criticada algumas vezes
pelo próprio Bolsonaro, em razão da detenção de uma mulher que teria
desobedecido as determinações da guarda para que se retirasse de uma praça e a
desacatado.
Esses
prefeitos não tendem a abrir mão da autonomia que lhes foi garantida pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) para regulamentar as medidas de isolamento
social. Já possuem, por outro lado, uma ampla lista de demandas a ser
endereçada ao Palácio do Planalto e o primeiro item dela é a manutenção das
transferências financeiras da União para os entes subnacionais. A pressão dos
gestores municipais na tramitação da reforma tributária, que nem mesmo tem
ainda um parecer oficial apresentado pelo relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB),
não deve ser menosprezada.
A sorte de Bolsonaro, por ironia, é que a pandemia impedirá a realização da tradicional grande marcha de prefeitos eleitos neste fim de ano. Os gestores municipais muito provavelmente tampouco conseguirão falar em bloco com parlamentares, ministros e autoridades do Palácio no início de 2021. Nada de aglomerações no Congresso Nacional, na Esplanada ou na Praça dos Três Poderes, o que não reduz a urgência para que o governo enfim reorganize uma base que defenda seus interesses.
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