Mais
de 600 mil negros foram assassinados desde 2000 no Brasil
Uma
das mais lamentáveis e equivocadas tentativas de explicar o fracasso do Brasil
é a ideia de que o país não deu certo porque não enfrentou guerras. Trata-se de
mistificação concebida a partir da história de países como os Estados Unidos,
que, além das batalhas travadas com outras nações para conquistar o território
que tem hoje, amargou sangrenta guerra civil entre 1861 e 1865, quando se
estima que mais de 600 mil pessoas morreram.
Entre 1979, quando a série começou a ser apurada, e 2018, último dado disponível, 1.583.026 brasileiros foram assassinados, segundo o “Atlas da Violência”, elaborado pelo Ipea. A violência não para de crescer. O número de homicídios tem mudado de patamar a cada dez anos - em 1979, 11.217 pessoas foram assassinadas; em 1990, 32.015; no ano 2000, 45.433; em 2010, 53.016; em 2018, 57.956 perderam suas vidas em decorrência do arbítrio de outrem (e ainda há quem defenda a adoção da pena de morte nestes tristes trópicos).
Alguém
notará que o ritmo de crescimento de homicídios está diminuindo. Em 2017,
65.602 cidadãos foram mortos de maneira violenta, a maioria, por arma de fogo
(71% dos casos). Portanto, houve queda de 11,7% no número de assassinatos no
ano seguinte. O problema, mostra o “Atlas da Violência 2020”, é que não se pode
mais confiar cegamente no “termômetro” usado para contabilizar as mortes.
O
Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, é a
única fonte de dados com abrangência nacional, consistência e confiabilidade
metodológica sobre a evolução da violência letal desde 1979. Ocorre que o SIM é
alimentado por informações repassadas pelos Estados, e a qualidade desses dados
tem caído de forma assombrosa.
“Entre
2017 e 2018, o número de MVCI (mortes violentas com causa indeterminada)
aumentou 25,6%. A perda de qualidade das informações em alguns estados chega a
ser escandalosa, como no caso de São Paulo, que, em 2018, registrou 4.265 MVCI,
das quais, 549 pessoas vitimadas por armas de fogo, 168 por instrumentos
cortantes e 1.428 por objetos contundentes. Nesse estado, a taxa de MVCI foi de
9,4 por 100 mil habitantes, superior à taxa de homicídios, que foi de 8,2”, diz
o último “Atlas da Violência 2020”.
No
total, 12.310 brasileiros foram assassinados em 2018, mas as autoridades não
sabem quem os matou nem o porquê. Estes são os cidadãos invisíveis cuja
existência só interessou a quem lhes tirou a vida. São dispensados nas ruas
como se faz com o lixo de casa. Na maioria dos casos, são enterrados como
indigentes, sem identidade ou o conhecimento da família. Fazem número na
estatística MVCI.
Pesquisa
feita em 2013 por Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas da Violência, estima
que 73,9% das mortes violentas causa indeterminada são, na verdade, homicídios
ocultos. Conclusão: o número de assassinatos cometidos neste gigantesco
território pode ser até 20% superior ao número informado.
Definitivamente,
no Brasil viver não é preciso. De 2008 a 2018, 628.595 brasileiros foram mortos
de forma violenta. Do total, 437.976 eram negros (70%), a maioria, jovem e
pobre. Enquanto o número de negros vitimados pela violência vem escalando - em
2018, eles foram 75,7% dos casos de homicídio -, o de não negros está cedendo.
Entre 2008 e 2018, houve alta de 11,5% no número de negros vítimas de
assassinato e declínio, no caso dos não negros, de 15,4%.
Mais
uma estatística aterradora: desde o ano 2000, 660.252 negros foram assassinados
no Brasil. Não calcule a média anual do período porque, como o número casos
está em franca expansão, o percentual encontrado não refletirá a realidade
indisfarçável: vivemos num país onde a maioria da população é negra (56%,
segundo o IBGE), mas onde também predomina o racismo estrutural, que, como os
números mostram, tem aumentado de forma veloz.
Apenas
em 2018, os negros (soma de pretos e pardos, conforme classificação do IBGE)
representaram 75,7% das vítimas de homicídios - taxa de assassinatos por 100
mil habitantes de 37,8. Comparativamente, entre os não-negros (soma de brancos,
amarelos e indígenas), a taxa foi de 13,9, o que significa que para cada
indivíduo não-negro morto em 2018, 2,7 negros foram assassinados.
Da
mesma forma, as mulheres negras representaram 68% do total das mulheres
assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de
5,2, quase o dobro quando comparada à das mulheres não-negras (ver gráfico).
“Este
cenário de aprofundamento das desigualdades raciais nos indicadores sociais da
violência fica mais evidente quando constatamos que a redução de 12% da taxa de
homicídios ocorrida entre 2017 e 2018 se concentrou mais entre a população não
negra do que na população negra. Entre não negros a diminuição da taxa de
homicídios foi igual a 13,2%, enquanto entre negros foi de 12,2%, isto é, 7,6%
menor”, informa o Atlas da Violência.
O Brasil está promovendo há décadas um verdadeiro genocídio, um crime contra a humanidade. A guerra civil americana foi deflagrada porque os produtores rurais do Sul não aceitavam o fim da escravidão dosa negros. No Brasil, a escravidão chegou bem antes e se tornou a principal característica de nossa sociedade. Aqui, a guerra civil nunca acabou.
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