É
possível ter um plano contra o desmatamento que seja efetivo e nos leve de
volta ao caminho certo. O governo poderia executá-lo se tivesse noção do risco
que estamos correndo, econômico, diplomático, ambiental, climático. O Brasil
tem os servidores, boas leis e instrumentos de comando e controle. Mas o
presidente e seu ministro preferem estimular por atos, palavras e omissões a
derrubada da floresta. As Forças Armadas na segunda operação de garantia da lei
e da ordem já entenderam o principal: é preciso fortalecer os órgãos ambientais
e atuar em rede.
O número de 11.088 km2 de floresta derrubada em 2020 na Amazônia deveria ser suficiente para provocar um plano emergencial. Deveria ser tratado como é: um escândalo. O Brasil recuou 12 anos no seu esforço de redução do número anual e chegou a 184% acima da meta que o próprio Brasil estabeleceu na Política Nacional sobre Mudança no Clima. É uma derrota do país. Esse é o primeiro número de desmate totalmente do governo Bolsonaro, já que o do ano passado teve cinco meses da administração anterior, porque o ano é registrado de agosto a julho.
Um
plano para ser efetivo teria que ter Ibama e ICMBio com mais gente e mais
recursos, a Polícia Federal, com um comando claro nessa direção. A Funai teria
que ter chefes que não impedissem seus servidores de cumprirem sua missão
institucional de proteger os índios e suas terras. Seria necessário criar mais
unidades de conservação, já que grande parte do desmatamento ocorreu em terras
públicas não destinadas. O plano pode ser feito, mas para ser executado teria
que ser outro o governo e outro o presidente.
As
Forças Armadas reconhecem que o país precisa muito do fortalecimento do Ibama e
ICMBio. Na entrevista em que anunciou o desmatamento, o vice-presidente
Hamilton Mourão disse isso. Fica curioso ele dizer o oposto do que o governo
fez desde o início. Ricardo Salles vem desmontando esses órgãos governamentais
desde o primeiro dia no cargo.
Há
outras situações contraditórias. Quando servidores dos órgãos ambientais
queimaram e destruíram maquinário de grileiros e garimpeiros, o presidente os
constrangeu em público, e o ministro os puniu. Só que na Operação Verde Brasil
2 os militares também destroem. E por quê? Pelo simples motivo de que é a única
forma de agir. Em outubro, os militares encontraram na reserva biológica de
Maicuru, em terreno de absoluta dificuldade de acesso, 15 motores estacionários
de garimpo. O que deveriam fazer com aquelas enormes máquinas? Sair levando de
avião floresta afora? “A gente precisa dar prejuízo aos malfeitores”, me disse
um oficial. Pois é.
O
ministro Ricardo Salles não estava na reunião em que o governo anunciou o
número do desmatamento. Estava no Jardim Botânico no Rio. Desde que esses dados
começaram a ser divulgados no governo Fernando Henrique, e se tornaram ainda
mais transparentes no governo Lula, o ministro do Meio Ambiente é quem anuncia.
Ao lado, claro, do ministro da Ciência e Tecnologia, a quem se reporta o Inpe.
A ideia de ir passear no Jardim Botânico no dia do anúncio nunca ocorreria a
nenhum antecessor no cargo.
O
governo Bolsonaro criou uma situação esdrúxula. Mantém um ministro que tem uma
agenda de destruição ambiental, e vai repassando as responsabilidades do
Ministério do Meio Ambiente para o vice-presidente que, contudo, não tem poder.
Hamilton Mourão acerta às vezes, erra às vezes. Acertou agora quando não tentou
desacreditar o Inpe ou quando não tentou vender como bom um número que
realmente é muito ruim. Mas errou quando propôs criar uma agência, aos moldes
de uma mal afamada agência americana, para concentrar nas Forças Armadas as
funções que hoje são executadas pelos cientistas do Inpe.
O risco maior é ambiental e climático. Para nós e para o mundo. A Amazônia é tão grande e tão fundamental que o que nos fere, fere o mundo. Mas esse é também um problema econômico, perderemos parceiros e mercados para os nossos produtos. É um problema de política externa. O Brasil está se transformando no sonho do Ernesto. Um enorme pária. Continuar desmatando a floresta, continuar nessa marcha insensata nos afastará cada vez mais do mundo. Essa é a escolha de Jair Bolsonaro, mas certamente não é a vontade do Brasil.
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