O
macarthismo bolsonarista padece de todos os defeitos do governo
Eis
que acordei nesta terça-feira e havia sido aquinhoada com mais um
adjetivo: detratora! Para quem já foi isentona,
comunista, tucana, cirista (ontem mesmo estava “indicada” para vice na chapa do
ex-governador) e sabe-se lá mais o que, até que o novo carimbo tinha uma
dramaticidade meio teatral. O detrator pode ser um personagem de uma futura
versão de Among
Us, quem sabe.
Mas
não era nada recreativo, não. O jornalista
Rubens Valente revelou em sua coluna no UOL que uma agência
contratada por vários ministérios, a BR+Comunicação, elaborou uma lista a
pedido do Ministério da Economia relacionando
77 formadores de opinião, entre jornalistas, professores universitários,
economistas, youtubers e militantes partidários com forte presença sobretudo no
Twitter e os classificou em “detratores”, “neutros informativos” e
“favoráveis”.
A tosquice, marca indelével do governo Bolsonaro, aparece no tal monitoramento em todo o seu esplendor. Nomes grafados errado, personagens repetidos e classificados em mais de uma “caixa”, mistura de pessoas com background e atuações completamente distintas e ideias de jerico a respeito de como a pasta deveria “atuar" para neutralizar os detratores e tirar vantagem dos “favoráveis”.
Um
trabalho inqualificável, de fazer corar qualquer tuiteiro amador. Ainda assim
dinheiro público foi gasto nessa bizarrice. O pedido foi feito em agosto! Para
que se destinava a tal lista? Para pautar ações da pasta. E o que foi feito?
Nada, jura a pasta, que passou o dia ontem pedindo desculpas aos “detratores” e
tentando emendar um soneto que já nasceu condenado.
A
tal empresa emitiu uma nota patética, em que aponta que houve um “erro de
processo” em que a expressão “negativo” virou “detratores”. Nem o corretor
ortográfico mais alucinado conseguiria. E por que levaram três meses para
“reparar” o erro, e só quando a imprensa detratora revelou a existência do tal
dossiê?
Para
além do ridículo da situação, que expôs de novo a pasta de Paulo Guedes a um vexame público
quando se espera do ministro da Economia ação e respostas para os seus grandes
e até aqui não encarados desafios de recuperar a economia e as contas públicas,
há no episódio, como também é inerente a esse governo, o viés autoritário, de
profunda incompreensão do papel da imprensa.
Para
Bolsonaro e seus auxiliares, ser crítico, mesmo que contundente, a um ministro
é ser detrator. Mas mais ofensivo mesmo seria ser incluída no rol dos
“favoráveis”. Os aspirantes a espiões da pasta de Guedes são tão ruins de
serviço que listaram num time de sabujos os excelentes Joel Pinheiro, Matheus
Hector, Pedro Menezes e Felipe Moura Brasil. Fica aqui meu desagravo a
eles.
O
que eles entendem como imprensa é um bando de puxa-sacos que faz malabarismos
retóricos de baixa qualidade para justificar o injustificável: uma equipe
econômica que deveria entregar um projeto liberal mas hoje serve de esteio a um
projeto autocrático.
É
até possível que a tal lista nunca tenha chegado aos olhos de Paulo Guedes,
como alegam seus interlocutores. Isso não é atenuante: só mostra que falta a
esse ministério hipertrofiado foco, agenda, método e trabalho para fazer.
O
macarthismo bolsonarista padece de todos os defeitos do governo: é aleatório,
extremamente cafona e desinformado, inócuo mesmo nas suas mais obscuras
intenções e nocivo à sociedade.
É
normal que ministérios tenham perfis dos influenciadores de suas áreas? Sim.
Desde que eles sejam feitos com balizas mínimas de institucionalidade e que
fiquem claras as intenções a justificá-los.
No caso da lista dos detratores, só se produziu vergonha para um governo que vem se lambuzando nessa cumbuca há dois anos, às nossas custas.
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