domingo, 6 de dezembro de 2020

Merval Pereira - Saúde à frente

- O Globo

Uma nova geração de economistas, por iniciativa de Fabio Giambiagi, um dos maiores especialistas em Previdência e em finanças do país, está reunida no livro “O Futuro do Brasil” (editora Grupo GEN), uma coletânea de textos com reflexões sobre a situação atual do Brasil, seus graves problemas, e, principalmente, propostas para a retomada do crescimento, além do curto prazo. Com prefácio de Samuel Pessoa e orelha de Paulo Hartung, o volume traz textos assinados por 32 autores, que fomentam o debate acerca de questões verdadeiramente estruturais para o crescimento econômico no período 2021-2030.

Com o olhar voltado para inserir o Brasil efetivamente no século XXI, os autores definem metas e meios para promover mudanças mirando previsibilidade, estabilidade e rigidez fiscal e crescimento econômico. Mas uma questão central permeia o debate dos especialistas: a modernização do setor público brasileiro como condição necessária para o país crescer de forma sustentável. Uma agenda que permita conjugar o atendimento das demandas dos agentes econômicos com um conjunto de tópicos voltados para os interesses da população —segurança pública, saneamento, agenda social e, sobretudo, educação e saúde.

Neste contexto, têm destaque as análises sobre a saúde no Brasil na próxima década, no capítulo assinado pelo economista Rudi Rocha. O analista é enfático: priorizar investimentos em saúde será crucial para o país poder avançar nos próximos dez anos. A pandemia expôs a importância do sistema de saúde do país —mas também a sua fragilidade — e deixou um alerta: a saúde se aproxima de tempos muito difíceis.

Outro ponto de atenção apontado pelo autor refere-se à inércia da sociedade nesta área. “Se a sociedade como um todo não se mobilizar agora para partici- par desta travessia e contribuir para a contínua construção deste sistema, quem o fará?”, questiona.

Os gastos públicos com saúde no Brasil equivalem a 9,1% do PIB, mas há uma pressão crescente de financiamento da saúde. Os custos aumentam com novas tecnologias, tratamentos e suas patentes, que muitas vezes geram ampliação do número de procedimentos, cada vez mais caros. Pelo lado da demanda, temos o envelhecimento populacional e o avanço das doenças crônicas. Ao mesmo tempo, há uma tendência de enfraquecimento do papel do governo como segurador e financiador do sistema. “Quem, afinal, pagará a conta, cada vez mais cara?”, pergunta o economista. “Em um cenário de sérias restrições fiscais e graves ineficiências, não apenas no setor público como também no privado, estas tendências poderão se converter em disputas cada vez maiores por recursos escassos e trazer graves tensões futuras”, avalia.

Na opinião do analista, o país tem um sistema na- cional de saúde particularmente complexo, com o SUS de um lado — de caráter universal, integral, gratuito no momento de uso e com financiamento administrado pelo governo via impostos e contribuições — e, por outro, aproximadamente um quarto da população coberta por seguros de saúde privados, um mercado regulado por meio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “Apesar da grande segmentação entre público e privado, o que não é uma surpresa no Brasil, o sistema é minimamente solidário e consegue conter desigualdades em saúde, o que é surpreendente no país”, afirma em seu artigo. Para o analista, as conquistas devem ser preservadas e os problemas enfrentados para que o sistema continue a evoluir e seja capaz de atravessar as tensões que virão à frente.

Como pontos relevantes para a agenda futura, o economista sinaliza que será preciso alocar mais recursos para o setor e de forma cada vez mais eficiente, além de aprimorar uma série de regras que regulam o financiamento, o pagamento e o acesso a serviços de saúde. “Como muitas vezes acontece no país, se deixarmos a história correr sozinha a decidir por nós, o futuro que nos aguarda poderá ser mais desigual e com mais distorções na alocação de recursos”, alerta. Fabio Giambiagi, organizador do livro, faz coro com o autor : “A tragédia do Brasil neste período da pandemia poderia ter sido muito pior se não houvesse aqui o sistema de saúde, prova maior de sua importância. Nas discussões sobre o futuro do país, a agenda da saúde passa a ser mais urgente do que nunca”, conclui.

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