Bolsonaro
cria mais obstáculos para o desenvolvimento do país do que se imagina, pois
aprofunda nosso atraso econômico e tecnológico e retarda a recuperação da
economia
Quando
invadiu a antiga União Soviética, Adolf Hitler já havia conquistado boa parte
da Europa: além da Áustria, Tchecoslováquia e Polônia — o que deflagrou a
Segunda Guerra Mundial —, a Noruega, a Dinamarca, a Bélgica, a Holanda, a
França, a antiga Iugoslávia e a Grécia, além de ex-colônias europeias na
África. A Operação Barbarrosa foi iniciada pelos alemães em 22 de junho de 1941
e mobilizou mais de três milhões de soldados. Sua intenção era conquistar a
URSS em oito semanas. Três objetivos estratégicos foram estabelecidos por
Hitler. Ocupar Moscou, a sede do governo; obter a rendição de Leningrado (São
Petersburgo), a grande porta russa para o Ocidente; e controlar Stalingrado
(antiga Tsarítsin, hoje, Volgogrado), para garantir petróleo em abundância.
Foram passos maiores que as pernas. A 30 quilômetros de Moscou, que chegou a
ser evacuada, os alemães foram repelidos; apesar da fome, a população de
Leningrado resistiu até o cerco ser quebrado, em 1944. Estratégica para o
controle do Cáucaso, área considerada vital para o abastecimento das tropas
alemãs, em Stalingrado, a batalha foi a mais longa e sangrenta de toda a
guerra, mudando seu curso.
Os
alemães não tinham recursos suficientes para manter uma guerra de longa duração
em território soviético, na qual exauriram suas energias. Além disso, a derrota
em Stalingrado quebrou a aura de invencibilidade do Exército alemão, que acabou
cercado e se rendeu. Cerca de 400 mil alemães, 200 mil romenos, 130 mil
italianos e 120 mil húngaros morreram, foram feridos ou capturados. Dos 91 mil
alemães feitos prisioneiros em Stalingrado, apenas 5 mil voltaram para a
Alemanha. Os soviéticos sofreram cerca de 1,13 milhão de baixas, sendo 480 mil
mortos e prisioneiros e 650 mil feridos em toda área de Stalingrado. Quando se
rendeu, o comandante do 6º Exército alemão, marechal de campo Friedrich Paulus,
referindo-se a Hitler, declarou: “Não tenho intenção de me suicidar por aquele
cabo da Baviera”. Nunca antes um marechal de campo alemão havia se rendido numa
frente de batalha; preferiam o suicídio à desonra. Ele havia cumprido as ordens
de não se retirar de Stalingrado, a qualquer preço, mas acabou isolado, sem
munição nem suprimentos.
Tem gente que considera a política uma guerra sem derramamento de sangue. Geralmente, trata os adversários como inimigos a serem exterminados. Entretanto, eles ressuscitam. Um dos três protagonistas da Conferência de Yalta, que dividiu o mundo em áreas de influência — ao lado de Franklin Delano Roosevelt (EUA) e Josef Stálin (URSS) —, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill dizia: “A política é quase tão excitante como a guerra e não menos perigosa. Na guerra a pessoa só pode ser morta uma vez, mas na política diversas vezes.”
Frentes
de batalha
Não
por acaso, analogias de cunho militar são usadas na análise política. Por
exemplo, a chegada do presidente Jair Bolsonaro ao poder resultou de uma
“guerra de movimento” bem-sucedida na campanha eleitoral de 2018, uma espécie
de “britzkrieg”. Na Presidência, manteve essa tática no primeiro ano de governo
para ampliar seus poderes, até trombar com o Supremo Tribunal Federal (STF),
que investiga o chamado “gabinete do ódio” (a disseminação de fake news e
ataques a autoridades nas redes sociais por colaboradores encastelados no
Palácio do Planalto) e o caso “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro, no qual está envolvido o senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Desde então, opera uma “guerra de posições”, na qual tenta envolver as Forças
Armadas, mobiliza os órgãos de controle do Estado, entre os quais o Ministério
Público Federal (MPF), e pretende controlar o Congresso, o Judiciário e os
grandes meios de comunicação de massa. Mutatis mutandis, foi essa estratégia de
Wladimir Putin na Rússia para garantir sua longa permanência no poder.
O
problema de Bolsonaro é que a verdadeira guerra está sendo travada em outros
terrenos, nos quais não tem a menor chance de vitória. A primeira frente é a
política ambiental, que nos levou a um grave litígio com a União Europeia,
principalmente, com a Alemanha, a França e a Noruega. Os resultados de sua
política são uma contradição em si mesma: quanto mais “passa com a boiada”,
mais isolado internacionalmente fica.
A
segunda, a crise sanitária, na qual Bolsonaro chegou a um ponto crítico, em
razão do seu negacionismo: entrou numa guerra particular com o governador João
Doria (SP), de São Paulo, por causa da vacina chinesa, e não tem mais como sair
dela, a não ser se rendendo e comprando a CoronaVac, que já começou a ser
produzida em grande escala pelo Instituto Butantan. Se não o fizer, a segunda onda
da pandemia será uma tragédia ainda maior do que a primeira, porque a vacina de
Oxford não está pronta e levará mais tempo para ser produzida pela Fiocruz e
aplicada em massa.
A
terceira frente é o não-reconhecimento da vitória do presidente norte-americano
Joe Biden, que nos leva a um isolamento internacional sem nenhum precedente na
História. Com isso, a política externa de Bolsonaro, como a ambiental e a
sanitária, está em colapso. Em rota de colisão com a China, nosso maior
parceiro comercial, agora ficou de mal com novo presidente dos Estados Unidos,
o segundo parceiro, tudo em solidariedade ao presidente Donald Trump, que não
se reelegeu. Essas três frentes de batalhas criam mais obstáculos para o
desenvolvimento do país do que se imagina, pois aprofundam nosso atraso
econômico e tecnológico e retardam a recuperação da economia.
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