Unidos
na eleição de 2018, diferenciações e divergências vão se tornando mais nítidas
Jair
Bolsonaro, em sua eleição, conseguiu encarnar a força do antilulopetismo,
congregando em torno de si três correntes de ideias que, naquele então,
apareceram juntas na luta contra um inimigo comum: a extrema direita, os
conservadores e os liberais. Compareceram amalgamados, unidos, mesmo
indistintos, prometendo uma regeneração nacional, contra a corrupção e os
políticos que a ela tinham aderido.
A
concepção propriamente de extrema direita, embora já presente, foi
progressivamente ganhando forma, exercendo forte influência graças à família
presidencial e à captura de ministérios importantes. Os conservadores, bem
delineados, surgiram na defesa de valores morais, tendo como representantes
principais os evangélicos. Os liberais apresentaram-se, principalmente, sob a
pauta do liberalismo econômico e menos sob a forma do liberalismo político.
No entanto, nestes mais de dois anos transcorridos, as diferenciações e divergências internas foram se tornando mais nítidas, embora algumas ainda não se tenham configurado completamente. Por exemplo, o liberalismo econômico já foi praticamente deixado de lado, apesar de o ministro da Economia continuar no poder como figurante de um governo de extrema direita, afeito a intervenções em empresas públicas, abandono das reformas, irresponsabilidade fiscal e ausência de privatizações. Sobra apenas um fiapo de discurso e práticas liberais.
No
que diz respeito ao conservadorismo, ele continua ainda aderido à extrema
direita, apesar de fissuras se fazerem cada vez mais presentes. Os evangélicos
prezam a solidariedade, a compaixão, os valores morais, são reconhecidos como
pessoas que reverenciam as virtudes e o trabalho, logo, não podem compactuar
com o tratamento que o bolsonarismo dispensa à morte, à doença, o seu desprezo
pela vida. Quando a morte e a doença batem à porta, pelo descaso e pela inépcia
governamentais, um limite está sendo ultrapassado. Não há nenhuma gracinha na
“gripezinha” e nos efeitos da vacina criando caudas de jacaré. O que há, sim, é
um completo menosprezo por valores religiosos e morais.
Os
traços principais da extrema direita no poder são: 1) A concepção da política
baseada na distinção entre amigos e inimigos. Todo aquele que não segue as
ordens do clã presidencial é considerado inimigo efetivo ou potencial, seja ele
real ou imaginário. Afirma-se, assim, o ódio ao próximo. 2) A sociedade e o
mundo em geral são vistos pelo prisma de uma teoria conspiratória, com inimigos
invisíveis urdindo um grande complô internacional, sendo o atual governo o
bastião de “valores”, evidentemente os seus. 3) O presidente considera-se
investido de uma missão de caráter absoluto, como se tudo por ele proferido
devesse ser simplesmente acatado, no estilo ele manda e os outros obedecem. 4)
Deduz-se daí um culto à personalidade, particularmente presente em sua
apresentação de si como se fosse um mito, uma espécie de messias, numa
deturpação dos valores religiosos. 5) A destruição e a morte tornam-se traços
principais dessa arte de (des)governar, com as instituições representativas,
liberais, sendo atacadas e dando livre circulação ao coronavírus, com atrasos,
incompetência e tergiversações sobre vacinas, apregoando o contágio por
aglomerações e ausência do uso de máscaras. A morte pode circular livremente!
Ora,
o conservadorismo no Brasil, fortemente ancorado em valores morais de cunho
religioso, está baseado no amor ao próximo, e não em sua exclusão ou potencial
eliminação. Sua expressão política na representação parlamentar se faz pelo
diálogo e pela negociação, o outro não podendo ser tomado como inimigo. Mais
precisamente, não haveria como aceitar o culto à personalidade, muito menos
ordens a serem simplesmente acatadas, pois, nesse caso, o poder laico estaria
adotando uma forma religiosa. E conforme assinalado, a vida é algo sagrado, não
pode ser tratada com incúria e desprezo. Torna-se nítido que o conservadorismo
começa a distanciar-se do bolsonarismo, embora sua imagem continue atrelada a
ele.
Quanto
ao liberalismo, se o seu componente econômico já está sendo relegado a uma
posição secundária, se não irrelevante, outro valor seu começa a ser
contaminado, a saber, a sua feição propriamente política. Vocações autoritárias
do bolsonarismo são inadmissíveis para um liberal. A política enquanto
distinção amigo/inimigo é o contraponto de tudo o que essa concepção defendeu
no transcurso de sua história. O culto à personalidade lembra tanto o
stalinismo quanto o nazismo e o fascismo, com a glorificação e a santificação
do líder máximo. A distinção dos Poderes, tão cara, está sendo cotidianamente
testada, como se as instituições representativas fosse um obstáculo ao
exercício do poder que devesse ser eliminado.
Eis
alguns aspectos que serão centrais nas próximas eleições e para o destino do
País, cujas distinções aparecerão mais claramente numa abertura para o futuro –
isso se algumas dessas correntes não optarem por um jogo de esconde-esconde, do
qual o bolsonarismo sairá vencedor.
Mais
vale prevenir do que remediar.
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