Em conversa gravada, presidente também cobrou Jorge Kajuru (Cidadania-GO) para que a comissão, se instalada no Senado, investigue a atuação de governadores e prefeitos na pandemia
Mateus
Vargas, André Borges e Daniel Weterman, O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA
- Às vésperas da instalação da
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado sobre
ações e omissões do governo federal na pandemia, o presidente Jair Bolsonaro pressionou o
senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) a ingressar com
pedidos de impeachment contra
ministros do Supremo Tribunal
Federal. Em conversa por telefone divulgada pelo
próprio senador nas redes sociais, Bolsonaro dá a entender que, se houver
pedidos de impeachment contra ministros da Suprema Corte, podem ocorrer
mudanças nos rumos sobre a instalação da comissão.
“Você
tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em
pauta o impeachment (de
ministros) também”, disse Bolsonaro ao senador. “Sabe o que eu acho
que vai acontecer, eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação
de ninguém do Supremo.”
Kajuru
respondeu que ingressou, no sábado, 10, com pedido no STF para obrigar o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a também pautar para votação em
plenário o afastamento do ministro do STF Alexandre de Moraes, ao que Bolsonaro
respondeu: “Você é 10”. “Ou bota tudo ou fica no zero a zero”, referendou o
senador. “Sou a favor de botar tudo para a frente”, afirmou o presidente.
O
Senado tem hoje dez pedidos de investigação contra ministros do Supremo.
Somente contra Alexandre de Moraes são seis. O ministro virou alvo após
determinar a prisão de vários bolsonaristas investigados no inquérito das Fake
News. Além dele, também há requerimentos para investigar Gilmar Mendes, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
Todos estão na gaveta do presidente da Casa.
Governadores
No
telefonema, o presidente também orientou que a CPI, se instalada, trabalhe para
apurar a atuação de prefeitos e governadores, o que tiraria o foco do seu
governo. “Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai só vir para cima de mim...
CPI ampla e investigar ministros do Supremo. Ponto final”, afirmou Bolsonaro a
Kajuru. Na quinta-feira, 8, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou
que o presidente do Senado instale a CPI da Covid. Pacheco travava a
iniciativa, apesar de a comissão ter recebido as assinaturas de apoio
necessárias para ser aberta. No dia seguinte à decisão, em conversa com
apoiadores, Bolsonaro acusou Barroso de “militância política”
e cobrou que o ministro mandasse abrir análises de pedidos de impeachment no
Senado, afirmando que há “milhões de assinaturas” da população para este tipo
de demanda.
“A
CPI hoje é para investigar omissões do governo Bolsonaro, ponto final. Se não
mudar o objetivo da CPI, ela vai só vir pra cima de mim. Tem que mudar a
amplitude dela”, comentou Bolsonaro com Kajuru. “Se não mudar, a CPI vai simplesmente
ouvir (o ex-ministro da Saúde) Pazuello, ouvir gente nossa, para
fazer um relatório sacana.” Não é possível saber se o presidente tinha
conhecimento de que o diálogo estava sendo gravado e seria divulgado.
Na
ligação, Bolsonaro também atribuiu o número de mortes da
covid-19 à suposta omissão de prefeitos e
governadores, ignorando que ele mesmo boicota medidas que dão certo contra o
vírus, como o distanciamento social e o uso de máscaras. “A questão do vírus,
não vai deixar de morrer gente, infelizmente, no Brasil. Poderia morrer menos
gente se os governadores e prefeitos que pegassem recursos e aplicassem
realmente em postos de saúde, hospital", disse Bolsonaro.
Na
quarta-feira, o plenário do STF vai analisar a liminar de Barroso que
determinou a instalação da CPI. Segundo um ministro ouvido pelo Estadão, a maioria deve
referendar a decisão de Barroso, mas com a ressalva de que a comissão só deverá
ser instalada quando os trabalhos voltarem a ser presencial. Isso significa que
Pacheco estaria desobrigado de instalar a CPI neste momento. A conversa de
Bolsonaro com Kajuru, contudo, pode mudar essa posição. Na avaliação desse
ministro, se ficar caracterizado que Bolsonaro pretende intimidar os ministros
com pedidos de impeachment a resposta será a instalação imediata da CPI.
Repercussão
O
diálogo com Kajuru pode resultar em novo pedido de impeachment contra
Bolsonaro. “É inadmissível que o presidente da República desrespeite um direito
do Congresso, previsto na Constituição, e tente interferir no processo dessa
forma. Do que o Presidente tem tanto medo? A CPI da covid é urgente. Temos que
parar os culpados por esse genocídio!”, afirmou o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (AP). Para
ele Bolsonaro cometeu crime de conspiração contra o Judiciário e atentado à
autonomia dos Poderes. “Não é uma postura que se espera de um presidente, mas é
usual para o Bolsonaro”, afirmou o líder do Cidadania no Senado, Alessandro Vieira (SE).
"É
muito estranho a divulgação de telefonema privado. É muito ridículo isso. O
presidente tem direito de falar com quem quiser. O objetivo dele é estender
para estados e municípios, que de fato vai acontecer ao surgir fato sobre o
repasse de recurso para os governos estaduais e municipais. A CPI é um
instrumento da minoria, e o impeachment de ministros é diferente, depende da
aprovação ampla da maioria”, disse o líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF). O
presidente do Senado não quis comentar.
Ampliar
escopo da investigação divide senadores
A
inclusão de prefeitos e governadores no escopo da CPI da Covid ainda divide os
senadores. O presidente Jair Bolsonaro criticou a comissão por focar apenas nas
ações do governo federal. Para contrapor o discurso, o líder do Cidadania no
Senado, Alessandro Vieira (ES),
apresentou, no sábado, 10, um requerimento para que a comissão também
investigue a crise em Estados e municípios.
Para
alguns parlamentares, isso pode inviabilizar os resultados práticos e
transformar a comissão em uma verdadeira “guerra” entre o Palácio do Planalto,
governadores e prefeitos. Para outros, porém, o argumento é que a verba federal
para a covid-19 foi repassada a governos estaduais e municipais, onde a
apuração precisa ser feita. “Todo mundo está empenhado em não fazer ouvido de
mercador”, afirmou a senadora Rose de Freitas (MDB-ES).
Na quarta-feira, o plenário do Supremo fará o julgamento sobre a instalação da CPI da Covid. Depois de aberto o prazo de indicação de membros no Senado, a instalação pode se tornar irreversível, mesmo com um resultado diferente no STF. A expectativa entre senadores, porém, é que o Supremo confirme a decisão do ministro Luís Roberto Barroso.
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