Quanto
mais confusão, melhor para ele
Por mais repulsiva que seja quando revelada, a tentativa de interferência de um presidente da República em assuntos internos do Congresso faz parte do jogo jogado às escondidas do distinto público, aqui e em toda parte. Não chega a ser um crime capaz de derrubá-lo. Transparência é tudo o que não há na política.
Mas
quando um presidente também interfere para que um parlamentar apresente pedidos
de impeachment contra ministros da mais alta Corte de Justiça do país, o crime
está mais do que configurado – desta vez por atentar contra a autonomia dos
poderes. Foi o que fez o presidente Jair Bolsonaro.
Em
conversa por telefone divulgada pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) nas
redes sociais, Bolsonaro sugere com clareza que, se houver pedidos de
impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal, a CPI da Covid poderá
ser esvaziada, deixando assim de investigá-lo e ao seu governo.
Se
Bolsonaro sente-se tão à vontade para interferir no Senado e boicotar a decisão
do Supremo de mandar instalar a CPI, quanto mais em órgãos que não são do
governo, mas do Estado, como Receita Federal, Polícia Federal,
Procuradoria-Geral da República, e o que mais possa ameaçar sua segurança, e a
dos filhos.
“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros) também”, disse Bolsonaro a Kajuru. “Sabe o que eu acho que vai acontecer? Eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação de ninguém do Supremo.”
Kajuru
respondeu que ingressou com pedido no Supremo para obrigar o presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a também pautar para votação em plenário o
afastamento do ministro Alexandre de Moraes, ao que Bolsonaro respondeu: “Você
é dez. Sou a favor de botar tudo para a frente”.
O
Senado tem hoje dez pedidos de investigação contra ministros do Supremo. Contra
Alexandre de Moraes são seis. Ele virou alvo após determinar a prisão de vários
bolsonaristas investigados no inquérito das Fake News. Há pedidos também para
investigar Gilmar Mendes, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
CPI
é um instrumento da minoria parlamentar assegurado pela Constituição. O pedido
de CPI da Covid cumpriu todos os requisitos legais, mas o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aliado de Bolsonaro, preferiu engavetá-lo. Foi o
ministro Luís Roberto Barroso que mandou instalá-la de imediato.
“A
CPI, hoje, é para investigar omissões do governo Bolsonaro, ponto final. Se não
mudar o objetivo, ela vai só vir pra cima de mim. Tem que mudar a amplitude
dela”, comentou Bolsonaro com Kajuru. “Se não mudar, a CPI vai simplesmente
ouvir (o ex-ministro da Saúde) Pazuello para fazer um relatório sacana.”
Amanhã,
em sessão do Senado, Pacheco vai ler o requerimento de instalação da CPI. Na
quarta-feira, o plenário do Senado aprovará ou não o requerimento que foi
assinado por 33 dos 81 senadores. Nesse mesmo dia, o plenário do Supremo
avalizará a decisão de Barroso por larga maioria de votos.
Não se sabe se Kajuru tornou pública por sua conta e risco o telefonema trocado com Bolsonaro no último sábado. Ou se foi autorizado por ele a fazê-lo. Para o presidente, em meio a uma pandemia que só cresce e mata porque o governo se recusa a combatê-la desde o início, quanto mais confusão melhor.
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