Há
mais do que crimes de responsabilidade à mercê de uma CPI, há crimes contra
pessoas
Os
61 mortos por asfixia à falta de oxigênio por si sós justificam a CPI que
o presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco, precisou ser obrigado
pelo Supremo a instalar. Esse horror sofrido em hospitais do Amazonas está
envolto por quantidade tão torrencial de horrores que uma
CPI é insuficiente para dar-lhes as devidas respostas.
Apesar
de tantos fatos e dados à sua disposição, com fartura de comprovações já
prontas e públicas, a mera possibilidade da CPI nos força a encarar outra
tragédia: no Brasil de 4.000
mortos de Covid por dia, não se conta com seriedade nem para evitar-nos a
dúvida de que a CPI busque, de fato, as responsabilidades
pelo morticínio, as quais já conhecemos na prática.
A reação imediata dos contrariados é a esperável, mas também traz sua incógnita. O choque iniciado com o STF soma-se ao jogo duro do governo, sobre os parlamentares, para dominar tudo que se refira à CPI. Disso decorre um potencial alto de agravamento e de incidentes sob a nova, e ainda mal conhecida, disposição de forças derivada das alterações em ministérios e em cargos e correntes militares.
As
juras de respeito à Constituição são unânimes nos que entram e nos que saem.
Inúteis já porque nenhum diria o contrário. Ainda porque o passado atesta essa
inutilidade. E, no caso da Defesa, não se pode esquecer que o general Braga
Netto estava no centro do governo, onde aceitou ou contribuiu para os desmandos
do desvario dito presidencial. Logo que nomeado, adotou uma prevenção
significativa: excluiu
da nota de celebração do golpe a caracterização das Forças Armadas como
instituição do Estado. Não do governo.
O comandante
da Força Aérea, brigadeiro Baptista Jr., já está identificado como ativo
bolsonarista nas redes sociais. Ministro da Justiça, o delegado
Anderson Torres e seu escolhido para diretor da PF têm relevância à
parte. O primeiro vê em Bolsonaro nada menos do que um enviado de Deus: “Quis
Deus, presidente Bolsonaro, que esta condução em momento tão crítico estivesse
em vossas mãos”. Imagine-se a obediência devida a um enviado.
O
outro, delegado Paulo
Maiurino, tem anos de atividade em política capazes, se desejar, de
enriquecer a carreira de intervenções políticas da PF. Iniciada no governo
Fernando Henrique pelo delegado Argílio Monteiro, depois recompensado com a
candidatura (derrotada) a deputado federal pelo PSDB, foi o tempo do dinheiro
“plantado” no Maranhão, dos caixotes de dólares “mandados de Cuba para Lula”, e
outras fraudes, sempre a serviço das candidaturas de José Serra. Na Lava Jato a
PF enriqueceu muito a sua tradição.
Com
essas e mais peças, como a AGU entregue ao pastor extremado André
Mendonça, está claro tratar-se de parte de um dispositivo político e
armado. A pandemia e a mortandade não são preocupações. Nem dentro da própria
Presidência, onde se aproximam de 500 os servidores colhidos pela Covid, com
taxa de contaminação 13% maior que a nacional. E lá, para ilustrar a possível
CPI, a “ordem do presidente” continua a ser “contra lockdown” (aspas para o
ministro Marcelo Queiroga), contra máscaras e vacina, e pela cloroquina.
Antes
mesmo de determinada pelo ministro Barroso, a possibilidade da CPI iniciou a
discussão de táticas
para dela poupar Bolsonaro. Será resguardar o agente principal da
calamidade. O vírus leva à morte porque esse é papel que a natureza lhe deu.
Bolsonaro fez e faz o mesmo por deslealdade ao papel que lhe foi dado e aos que
o deram. E, de quebra, ao restante do país.
Há
mais do que crimes
de responsabilidade, numerosos, à mercê de uma CPI.
Há
crimes contra pessoas. Há crimes contra a humanidade. Tal coleção de crimes
talvez encontre comparação nos abutres que agiram em porões da ditadura. Ou
talvez só se compare aos primórdios da ocupação territorial, com a escravização
e as mortandades em massa. O choque não descansa: são 4.000 mortos por dia.
É razoável suspeitar que não haja, nem sequer em número próprio de uma CPI, gente com caráter para enfrentar uma criminalidade assim e ao que a ampare, como o ódio e a facilitação de armas letais.
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