Se
a realidade o incomoda, ele encontra sempre um jeito de passar por cima dela
Ninguém
me contou, eu mesmo vi Jair Bolsonaro declarar na televisão que tinha
informação segura de que a eleição americana tinha sido fraudada. Como o vi,
meses antes, dizer que, em 2018, tinha sido roubado, pois havia vencido a
eleição para presidente no primeiro turno. Nos dois casos, como sempre faz,
nunca apresentou prova alguma.<SW>
A
imaginação do homem não tem limites. Se a realidade o incomoda, ele encontra
sempre um jeito de passar por cima dela, contando uma história lá da cabeça
dele. A gente até acha graça do que considera desinformação. Mas, de repente,
paramos pra pensar e descobrimos uma certa coerência nisso tudo, uma teia que
ele tece aos poucos com seus parceiros. Como os galos da manhã de João Cabral,
eles nos anunciam um outro dia que nasce radiante. Um dia de radiante horror.
Sua eleição deu-se por infeliz coincidência entre um candidato que representava políticos de quem ninguém queria mais saber e outro que ninguém conhecia, mas se parecia com aquele simpático conversa mole de botequim, sempre dizendo besteiras que nos fazem rir amorosamente. Com ele eleito, descobrimos que era tudo uma peça que a democracia nos pregava. Alguém aí tem hoje alguma dúvida de que, quando ele perder a eleição de 2022, vai declarar que houve fraude e armar um fuzuê para não deixar o poder? O homem só pensa nisso.
Na
política e na vida, a mentira é arma poderosa, sobretudo na mão de um candidato
que tem poder porque está no poder. O ministro do governo no STF afirmou que
esvaziar os templos por causa da Covid é impedir a liberdade religiosa, o ir e
vir garantido pela Constituição. Ele propõe, em contrapartida, uma restrição no
número de fiéis em cada espaço de oração. E os que, nesse caso, ficam fora
desse espaço nos templos não estão sendo impedidos de ir e vir, de exercer sua
liberdade religiosa? Esse é um excelente modo de admitir o óbvio inconveniente
(a pandemia), propondo uma falsa solução que excita os interessados contra quem
age com correção.
Quero
ver nossos finos conservadores enfrentando o demônio armado. Já, já ele acaba
de formar sua milícia com as armas que está fazendo entrar no país legalmente,
a preço de banana. Como já pode ter empolgado os PMs iludidos pela ausência de
repressão no levante do Ceará. Ou os negacionistas sinceros, pelas mentiras
inventadas pela turma da Bia Kicis sobre a morte do pobre soldado doente da
Bahia. E, sobretudo, pelo empenho junto às Forças Armadas, que parece não estar
dando resultado, mas que ninguém sabe dizer direito a quantas anda.
Depois
da longa ditadura e de tantos anos de uma democracia que julgávamos sólida, o
novo regime começou a pifar a partir de erros graves cometidos por Dilma
Rousseff. Como não sabemos debater sem eliminar o adversário, os erros foram
agravados pelo impeachment dela, uma violência absurda e desnecessária. Um
gesto de impotência disfarçada na aparente onipotência de uma oposição que não
sabia o que fazer. Nem o que estava fazendo, o que ficava claro na sucessão de
tolices ditas antes do voto, para justificar o que ninguém tinha certeza.
Hoje, vivemos nesse inferno de poderes que disputam a culpa da morte de quase 400 mil brasileiros, em vez de tentar impedir que eles morram. Um inferno em que, num plano fechado, um vereador mata seu enteado de 4 anos como se estivesse numa pelada de futebol e uma deputada manda seus 500 filhos acabarem com seu marido. Como diz o assassino do menino Henry, o importante “é virar a pagina”. Mas, no curso desse lodo geral, avançamos sem saber o que nos espera na página seguinte.
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