Efeitos
da pandemia estarão conosco no que resta deste trágico 2021 e ainda em 2022
A
tarefa de construir uma coalizão em torno da ideia de um “centro ampliado”
tornou-se ainda mais complexa. Trata-se agora de se diferenciar, aos olhos do
eleitorado, em duas frentes: a de Bolsonaro e a de Lula, ou de quem vier a ser
seu candidato. Em ambas haverá que formar uma visão minimamente clara sobre
onde estamos, e como chegamos até aqui, como base indispensável para projetar
uma visão do futuro – que é o que importa.
Quanto
a Bolsonaro, suas perspectivas dependem da avaliação de seu governo, que por
sua vez depende do avanço da covid-19 e da evolução da economia,
inexoravelmente imbricados, pelo menos nos próximos 12 meses. Em instigante
artigo recente, O
paradoxo do bolsonarismo e a tragédia brasileira (Folha 28/03), João Cesar de
Castro Rocha identifica um paradoxo: “O êxito do bolsonarismo na guerra
cultural implicaria o fracasso do governo Bolsonaro na administração da coisa
pública”.
Cobra preço alto o esforço cotidiano do presidente e de seu núcleo duro para manter suas redes digitais permanentemente mobilizadas, em constante estado de excitação, em torno de fatos alternativos e realidades paralelas. Preço particularmente alto em razão da postura do presidente diante da tragédia da pandemia. Ele deriva da percepção, cada vez mais clara, da inépcia em implementar políticas públicas consistentes nas áreas não só de saúde, como de educação, cultura, meio ambiente e relações internacionais, para citar as deficiências mais patentes de um governo disfuncional. Bolsonaro pode chegar a um segundo turno, mas, talvez, ser derrotado então. Tudo vai depender dos próximos 18 meses, ou menos que isso.
Lula,
ao que tudo indica, deve disputar a eleição presidencial em 2022. Seria a nona
vez, diretamente ou por interpostas pessoas. Das cinco primeiras, perdeu três
(1989, 1994 e 1998), duas das quais no primeiro turno; e ganhou duas (2002 e
2006), em ambas tendo de enfrentar um segundo turno. Na sexta (2010) escolheu
aquela a quem chamou de “melhor gerente” que o Brasil teria conhecido – gerente
que o próprio Lula bem conhecia, já que era chefe de sua Casa Civil havia cinco
anos. Na sétima (2014), a contragosto talvez, manteve-se ao lado de Dilma. Na
oitava, com Haddad. Foram atropelados, ambos – e o próprio Brasil –, não por um
candidato de “centro” (eram vários), mas pelo fenômeno Bolsonaro.
Chega
agora sua nona chance. Muitos o consideram imbatível. É estranho que, a 18
meses das eleições, tantos julguem que o jogo já está decidido: será Lula
contra Bolsonaro. Cuidado
com o que desejas, diz o velho ditado. Há jogo pela frente.
Indicação
importante disso foi a carta de 22 de março assinada por seis pré-candidatos ou
potenciais candidatos. Enquanto os mais céticos não viram na carta maiores
consequências, muitos lhe atribuem importância mais do que simbólica: sinal de
que os seis conversaram e de que estão abertos a conversar ao longo dos
próximos meses. Porque a alternativa é a dispersão e fragmentação, e o
consequente risco de termos em 2022 uma polarização como em 2018. Cabe àqueles
que julguem que essa não seria a melhor solução para o Brasil – e não queiram
limitar-se a especular sobre isso em suas bolhas – envolver-se da forma que
lhes pareça mais apropriada. E assim, talvez, ajudar na construção de coalizão
eleitoralmente competitiva. Não é fácil. Mas é preciso acreditar que não é
impossível.
Exemplos
não faltam. Na semana passada, nada menos que dez ex-ministros da Justiça
assinaram carta aberta Contra as Armas e pela Democracia. Posicionaram-se
contra a política de armamento da população como potencial instrumento de ação
política e sugeriram ação junto ao Congresso e ao Judiciário.
Também
na semana passada, o fundador e presidente do PSD, Gilberto Kassab, afirmou em
entrevista que “quem errou na pandemia terá dificuldades nas eleições”. Que
dizer de erros na Educação, que desde o início deste governo teve 4 ministros
(se incluída a escolha de Decotelli), 4 ou 5 secretários-gerais, 5 secretários
de educação básica, 4 chefes do Inep, 3 secretários de educação superior? Com
tanta gente competente na área de educação, o Brasil tem, na cúpula desse
ministério tão relevante, há mais de 2 anos e 3 meses, um deserto de ideias. E
pensar que se trata de área tão determinante para definir o que seremos ou não
seremos no futuro.
Na
educação, assim como em outras áreas-chave, nosso truncado desenvolvimento
econômico e social é função de investimentos que não fizemos no passado e, não
menos importante, de investimentos mal
feitos – que fizemos e tanto nos custaram, custam e ainda
custarão. Na área de infraestrutura física, infraestrutura humana (educação,
saúde) como no combate gradual, mas consistente, à desigualdade de oportunidades,
que está na raiz da permanência de miséria e pobreza no País.
Como
está também na percepção, justificada, de iniquidade e de injustiça que existe
em nossa sociedade, agravada em muito pelas graves consequências da pandemia
sobre a economia, o emprego, a renda e a saúde pública. Consequências que
estarão conosco no que resta deste trágico 2021 e, certamente, ainda em 2022.
* Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC
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