- O Globo
Os dois bancos centrais, do Brasil e dos
Estados Unidos, admitiram preocupações maiores com a inflação, do que nas
últimas reuniões. No Brasil, os juros subiram dentro do que se esperava, mas o
recado foi que a taxa subirá além do que anteriormente estava registrado nos
comunicados. Nos Estados Unidos, os juros não foram alterados, mas o aviso foi
que eles subirão mais cedo do que era projetado. De tudo o que foi dito, o que
ficou claro é que as taxas no Brasil vão até um patamar mais elevado do que se
imaginava antes, porque os riscos inflacionários estão maiores.
A mudança de tom se viu em vários pontos da nota ao fim da reunião do Copom. O comunicado alertou que a inflação está mais persistente do que o esperado, “sobretudo nos bens industriais”, incluiu a crise hídrica na análise da conjuntura e avisou que as medidas da inflação estão acima da meta. Antes, o Copom falava em “normalização parcial” da taxa de juros. Agora o aviso é que a normalização irá “para um patamar neutro”. Em bancocentrês isso é juros voltando a 6,5%.
No início do governo, a Selic estava em
6,5% e foi reduzida para 2%. O ministro Paulo Guedes costuma se gabar de que o
governo derrubou duas torres. Primeiro, a da reforma da Previdência, depois a
dos juros altos. Bom, a segunda torre está voltando ao ponto em que estava. A
queda mais relevante da taxa foi no governo Temer, que pegou a Selic em 14,25%
e entregou em 6,5%. E juros, como se sabe, não são torres a serem derrubadas.
Eles oscilam. O BC ontem disse que o caminho é para cima agora.
Nos Estados Unidos, o Fed avisou que fica
tudo como está, as taxas entre zero e 0,25%, mas que o início da elevação será
em 2023, e não 2024, como o mercado esperava. É até difícil para a gente
entender como um aviso de que os juros americanos vão ficar perto de zero por
mais dois anos possa ser considerado um evento. Mas, assim que saiu a nota do
Fed, o dólar, que estava abaixo de R$ 5 pela primeira vez em um ano, voltou a
subir.
Juros em alta, inflação surpreendendo para
pior, crise hídrica, desemprego elevado, complicam o cenário brasileiro. São
quatro pontos da conjuntura que se retroalimentam. A seca está elevando o custo
da energia, o que pressiona a inflação e, em consequência, os juros. Nesse
quadro, fica mais difícil reduzir o desemprego, que atinge 15 milhões de
brasileiros.
A inflação brasileira, além de alta, está
disseminada. Os reajustes da energia estão afetando os custos industriais, e há
a falta de componentes causada pela desorganização produtiva da pandemia. Um
sinal é o que tem acontecido com os preços do atacado. O IPA, um dos
componentes dos IGPs, está com alta de 50% nos últimos 12 meses. O dado
positivo é o câmbio que tem se apreciado, reduzindo as pressões inflacionárias.
Mas esse efeito favorável é neutralizado pelo que o Copom definiu como
“deterioração do cenário hídrico sobre as tarifas de energia elétrica” que
“contribuem para manter a inflação elevada no curto prazo”.
Houve uma melhora recente nas contas
públicas, mas nem isso pode ser comemorado porque um dos motivos é a própria
inflação. O governo, de novo, como em velhos tempos, é sócio da inflação. Com
ela, a arrecadação sobe. O fato de chegar a junho com o índice acima de 8% dará
ao atual governo a chance de gastar mais em 2022, no período eleitoral. O
crescimento do PIB este ano é em grande parte efeito estatístico produzido pela
comparação com um ano em que houve recessão forte, mas ajudará a melhorar a
aparência de indicadores fiscais como a dívida/PIB.
O Banco Central disse que, apesar da
intensidade da segunda onda da pandemia, os “indicadores recentes (da
atividade) continuam mostrando evolução mais positiva do que o esperado”, e
conclui que os “riscos para a recuperação econômica reduziram-se
significativamente”. Mas nada está bom na verdade. O Brasil está num patamar
altíssimo de mortes e contaminados diariamente, a vacinação está muito lenta.
Colher, na economia, alguns indicadores setoriais positivos, ou uma melhora nas
contas públicas por causa de fatores conjunturais, não é motivo algum para uma
visão positiva. Na verdade, a inflação e a crise hídrica dificultam, ainda
mais, a difícil e lenta volta à normalidade na economia.
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