quinta-feira, 17 de junho de 2021

Míriam Leitão - Juros altos e o alerta sobre a inflação

- O Globo

Os dois bancos centrais, do Brasil e dos Estados Unidos, admitiram preocupações maiores com a inflação, do que nas últimas reuniões. No Brasil, os juros subiram dentro do que se esperava, mas o recado foi que a taxa subirá além do que anteriormente estava registrado nos comunicados. Nos Estados Unidos, os juros não foram alterados, mas o aviso foi que eles subirão mais cedo do que era projetado. De tudo o que foi dito, o que ficou claro é que as taxas no Brasil vão até um patamar mais elevado do que se imaginava antes, porque os riscos inflacionários estão maiores.

A mudança de tom se viu em vários pontos da nota ao fim da reunião do Copom. O comunicado alertou que a inflação está mais persistente do que o esperado, “sobretudo nos bens industriais”, incluiu a crise hídrica na análise da conjuntura e avisou que as medidas da inflação estão acima da meta. Antes, o Copom falava em “normalização parcial” da taxa de juros.  Agora o aviso é que a normalização irá “para um patamar neutro”. Em bancocentrês isso é juros voltando a 6,5%.

No início do governo, a Selic estava em 6,5% e foi reduzida para 2%. O ministro Paulo Guedes costuma se gabar de que o governo derrubou duas torres. Primeiro, a da reforma da Previdência, depois a dos juros altos. Bom, a segunda torre está voltando ao ponto em que estava. A queda mais relevante da taxa foi no governo Temer, que pegou a Selic em 14,25% e entregou em 6,5%. E juros, como se sabe, não são torres a serem derrubadas. Eles oscilam. O BC ontem disse que o caminho é para cima agora.

Nos Estados Unidos, o Fed avisou que fica tudo como está, as taxas entre zero e 0,25%, mas que o início da elevação será em 2023, e não 2024, como o mercado esperava. É até difícil para a gente entender como um aviso de que os juros americanos vão ficar perto de zero por mais dois anos possa ser considerado um evento. Mas, assim que saiu a nota do Fed, o dólar, que estava abaixo de R$ 5 pela primeira vez em um ano, voltou a subir.

Juros em alta, inflação surpreendendo para pior, crise hídrica, desemprego elevado, complicam o cenário brasileiro. São quatro pontos da conjuntura que se retroalimentam. A seca está elevando o custo da energia, o que pressiona a inflação e, em consequência, os juros. Nesse quadro, fica mais difícil reduzir o desemprego, que atinge 15 milhões de brasileiros. 

A inflação brasileira, além de alta, está disseminada. Os reajustes da energia estão afetando os custos industriais, e há a falta de componentes causada pela desorganização produtiva da pandemia. Um sinal é o que tem acontecido com os preços do atacado. O IPA, um dos componentes dos IGPs, está com alta de 50% nos últimos 12 meses. O dado positivo é o câmbio que tem se apreciado, reduzindo as pressões inflacionárias. Mas esse efeito favorável é neutralizado pelo que o Copom definiu como “deterioração do cenário hídrico sobre as tarifas de energia elétrica” que “contribuem para manter a inflação elevada no curto prazo”.

Houve uma melhora recente nas contas públicas, mas nem isso pode ser comemorado porque um dos motivos é a própria inflação. O governo, de novo, como em velhos tempos, é sócio da inflação. Com ela, a arrecadação sobe. O fato de chegar a junho com o índice acima de 8% dará ao atual governo a chance de gastar mais em 2022, no período eleitoral. O crescimento do PIB este ano é em grande parte efeito estatístico produzido pela comparação com um ano em que houve recessão forte, mas ajudará a melhorar a aparência de indicadores fiscais como a dívida/PIB.

O Banco Central disse que, apesar da intensidade da segunda onda da pandemia, os “indicadores recentes (da atividade) continuam mostrando evolução mais positiva do que o esperado”, e conclui que os “riscos para a recuperação econômica reduziram-se significativamente”. Mas nada está bom na verdade. O Brasil está num patamar altíssimo de mortes e contaminados diariamente, a vacinação está muito lenta. Colher, na economia, alguns indicadores setoriais positivos, ou uma melhora nas contas públicas por causa de fatores conjunturais, não é motivo algum para uma visão positiva. Na verdade, a inflação e a crise hídrica dificultam, ainda mais, a difícil e lenta volta à normalidade na economia.

 

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