- O Estado de S. Paulo
Eleições não trarão solução para falência
dos sistemas de governo e partidário
Coube a Jair Bolsonaro o
duvidoso mérito de demonstrar que o atual sistema de governo não funciona. O
perigo do desenho de um sistema que opõe o vencedor de uma eleição
plebiscitária (portanto, uma figura forte) a um Parlamento fracionado e com
baixa representatividade (o sistema proporcional de voto brasileiro garante a
desproporção) já vinha sendo apontado há anos. Nem era preciso esperar a
chegada de uma caricatura de homem de Estado como o atual presidente.
Caricaturas às vezes ilustram um argumento, e a maneira como Bolsonaro, em busca da reeleição, está negociando com uma agremiação política de aluguel (das quais existem dezenas) serviu também para reiterar a falência do sistema de partidos. A combinação do mau funcionamento de ambos – sistema de governo e sistema político-partidário – é, ao mesmo tempo, causa e consequência da profunda crise atual.
A amplitude da crise está levando elites pensantes no mundo político, intelectual e empresarial à convicção de que as próximas eleições não trarão uma solução, nem mesmo uma saída provisória – sequer com uma candidatura viável de terceira via. Esse “não dá mais de jeito nenhum” é o grande cenário de fundo para o que se discute no momento na Câmara em termos de reforma política. Desse cenário surgiu também a proposta do semipresidencialismo.
A proposta vem da intersecção entre o mundo
acadêmico do Direito e o da política e envolve também ministros do STF. Na sua essência,
significa manter a atual figura do presidente da República como chefe de Estado
com a prerrogativa de nomear um primeiro-ministro (que não precisa ser
parlamentar nem eleito) que, por sua vez, teria de montar um gabinete de
ministros dependendo de maioria no Legislativo. O modelo é o que já existe
na França e
em Portugal:
sem maioria no Parlamento cai o governo chefiado pelo primeiro-ministro, mas
não cai o presidente eleito diretamente.
A ideia do semipresidencialismo agora
lançada em debate público embute duas constatações realistas e uma forte dose
de esperança. Ela assume, corretamente, que nunca funcionará o atual sistema
presidencialista pelo qual o chefe do Executivo começa o governo tendo então de
buscar maioria no Legislativo num sistema político-partidário fracionado e
pouco representativo. E assume ainda, corretamente, que a “cultura política”
brasileira precisa da figura forte do presidente (que continuaria chefe
das Forças
Armadas e da diplomacia) e não comportaria um parlamentarismo
puro.
A esperança é a de que a necessária redução
do número de partidos – elemento essencial em qualquer reforma política – se
daria na medida em que surgissem dois grandes blocos no Legislativo, o da
“situação” e o da “oposição”. Alteração como a introdução do voto distrital
misto ajudaria, mas não seria precondição para o semipresidencialismo. A ideia
em debate assume também, realisticamente, que não há perspectiva de ampla
reforma política com as atuais forças em jogo no Legislativo.
De qualquer maneira, só valeria a partir de
2026. Mas não seria – e aí há um involuntário componente de ironia política –
tão radical diante do que já acontece. De fato, Jair Bolsonaro divide a chefia
de governo não com um, mas com dois primeiros-ministros, os presidentes
da Câmara e
do Senado.
Já o Centrão pode
ser descrito como uma “federação” de partidos de situação com uma notável
diferença em relação à proposta do semipresidencialismo: no sistema de governo
atual o presidente é seu refém. Ou seja, no semipresidencialismo Bolsonaro não
precisaria ter medo de impeachment.
Não importam os defeitos ou vantagens desse
tipo de ideia, o principal mérito político no momento está em forçar um debate
para além dos sistemas de governo e político-partidário atuais, dentro dos
quais não se vislumbra saída para a crise permanente. Provavelmente a discussão
em torno de normas futuras surja para muitos como perda de tempo, utopia
acadêmica ou impossibilidade política (ou tudo junto).
Cabe então lembrar que só há duas resoluções de crises como a que o Brasil enfrenta. Existe a saída pela negociação, compromisso e algum tipo de consenso. E a saída pelo conflito. Bolsonaro aposta no conflito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário